Ao fundo, a construção do futuro Observatório Astronômico Automatizado de Itacuruba. Foto de Centro de Estudos Astronômicos de Recife
Por causa do baixíssimo índice pluviométrico e da tímida presença humana na região, Itacuruba, no estado de Pernambuco, chamou a atenção de um grupo de astrônomos amadores e de um prefeito com imaginação: a cidade era um dos locais do país mais indicados para abrigar um posto de observação celeste.
A ideia tomou corpo, e hoje os arredores da cidade abrem um olho para um céu noturno que os moradores das grandes cidades desconhecem.
Um pequeno mas sofisticado telescópio ergue-se discretamente da planície agreste e percorre metodicamente os quadrantes do céu austral.
Cúpula do Observatório Nacional onde está instalado o telescópio IMPACTON, em Itacuruba. Foto de Alberto Araújo (clique para ampliar)
As imagens são retidas por sensores, olhos cibernéticos que substituem os dos astrônomos. Esses não precisam mais, se não quiserem, ficar de vigília à espreita de algum corpo celeste desconhecido, e podem devotar a madrugada a outras atividades mais comuns à raça humana. Nem mesmo precisam estar em Itacuruba, se também não lhes for apropriado. Pois além dos sensores, que transformam as ondas luminosas em pulsos elétricos binários, zero ou um, a estação também possui um rádio capaz de enviar tudo aquilo que capta para lugares distantes, ou receber instruções desses mesmos lugares – por exemplo, para apontar o telescópio para outro quadrante do céu.
Assim que caem na malha virtual da rede mundial, as imagens, já devidamente recortadas e empacotadas pelos protocolos de comunicação que universalizam a comunicação, ficam rapidamente disponíveis e armazenadas, primeiro, para os cientistas do Observatório Nacional no Rio de Janeiro, responsáveis imediatos pelo projeto, depois, para as centenas de cientistas ao redor do mundo que porventura queiram se utilizar delas.
Da caatinga de Itacuruba, uma nova narrativa sobre o Universo chega até nós, não mais através dos mitos dos índios Tuxá, habitantes originais, mas dos frios e despersonalizados protocolos científicos.
E nem há mais índios Tuxá em Itacuruba. É que quando a cidade teve que ser deslocada para o local em que atualmente se situa, devido à inundação pelas águas da represa de Itaparica, os Tuxá foram para outras terras, não muito distantes dali, mas na margem oposta do Velho Chico.
Quem sabe não é esse um dos motivos pelos quais, no fundo, se ressintam os habitantes de uma Nova Itacuruba, agora definitivamente separada das suas origens geográficas e simbólicas, lançada, sozinha, em direção a um destino insondável?
Porque, dizem, Itacuruba é campeã em distúrbios psiquiátricos e consumo – legal – de psicotrópicos.
Dizem também que a taxa de suicídios ganha, disparado, da de qualquer outra cidade do Brasil.
E não é para menos.
Duplamente desterrados, os itacurubenses perderam a antiga terra e a lembrança de um passado atávico que os índios lhes proporcionavam (mesmo que não se dessem conta disso)
Lutam agora contra o tédio e a falta de perspectivas.
E talvez por isso o prefeito tenha apostado tantas fichas no projeto astronômico.
Obras inacabadas: em primeiro plano, o Observatório Municipal. Ao longe, o Observatório Astronômico Automatizado. Foto de Alberto Araújo (clique para ampliar)
Próximo do posto de observação do Observatório Nacional, o prefeito planejou construir também outras duas edificações: uma para servir de centro de divulgação científica para os seus habitantes, e todos os que por ali passassem, e uma terceira, que também funcionaria como estação de observação automatizada, mas desta vez, sob patrocínio de um grupo de astrônomos amadores de Recife e de cientistas da Universidade Federal de Pernambuco.
Mas das três, só a do Observatório Nacional opera, agora em fase de testes finais antes de entrar em operação definitiva.
Dos planos iniciais, as outras duas edificações são apenas uma vaga lembrança, agora ruínas de obras não finalizadas, monumentos à frustração dos itacurubenses.
E só pode ser por um estranho desígnio que a cidade não sucumbe ao esquecimento e volta a ser foco de atenções nacionais.
Desta vez não à escala estelar, mas à atômica.
A cidade foi escolhida pelo Ministério das Minas e Energia como o local mais indicado para sediar as instalações da que seria a quarta usina nuclear brasileira.
Mas à empolgação inicial com os augúrios do progresso, seguiu-se o medo.
Fukushima, como uma besta mítica indomável, manda um aviso, a milhares de quilômetros dali, para a população de 4.369 habitantes.
Mais uma vez, a espera.
Itacuruba e, mais ao fundo, as águas do Velho Chico. Foto de Centro de Estudos Astronômicos de Recife (clique para ampliar)
Narrativa relativamente livre inspirada no texto de Heitor Scalambrini Costa e algumas outras fontes.
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