domingo, 27 de setembro de 2020

Conheça a declaração conjunta de Rússia e China que mete medo a Trump

 


A China e Rússia devem fortalecer a cooperação na luta contra a Covid-19 e em outras áreas para promover as relações bilaterais. Em encontro dos chanceleres Sergey Lavrov e Wang Yi ambos os países atualizaram sua parceria estratégica

27 de setembro de 2020, 10:29 h Atualizado em 27 de setembro de 2020, 15:00

Os chanceleres Wang Yi (China) e Sergei Lavrov (Rússia) Os chanceleres Wang Yi (China) e Sergei Lavrov (Rússia) (Foto: Xinhua)

247 - A Rússia e a China decidiram fortalecer sua cooperação bilateral estratégica. O fato tem dimensões globais que alteram a correlação geopolítica de forças. Leia a íntegra da declaração conjunta firmada pelos dois chanceleres. 

"A Federação Russa e a República Popular da China, em espírito de ampla parceria e interação estratégica, iniciando nova era, baseada numa visão comum da situação internacional atual e de problemas chaves, conclamam a comunidade internacional a reforçar a interação, aprofundar a compreensão mútua, enfrentar conjuntamente os desafios e da estabilidade política e da recuperação econômica mundial.

As partes declaram o seguinte:

1. O mundo moderno passa por fase de transformação profunda, cresce a turbulência, e estão sob ataque os processos de globalização econômica e a implementação de uma agenda de desenvolvimento sustentável para o período até 2030. A pandemia do novo coronavírus tornou-se o mais grave desafio global em tempos de paz.

As partes expressam profunda preocupação de que, contra o pano de fundo de uma pandemia de um tipo novo de coronavírus, estados individuais disseminam informação pouco precisa e falsa. Assim ameaçam a saúde e o bem-estar dos cidadãos, a segurança pública, a estabilidade e a ordem, e também impedem que os povos do mundo conheçam-se uns aos outros.

Quanto a isso, Rússia e China conclamam autoridades estatais, organizações públicas, a mídia e os círculos empresariais a fortalecerem a interação e combaterem unidas a informação falsa. Informação e avaliações disseminadas devem ser baseadas em fatos. E devem excluir qualquer interferência nos assuntos internos de outros países e ataques irracionais à estrutura e aos caminhos de desenvolvimento escolhidos por outros países.

As partes reiteram o seu firme apoio à Organização Mundial de Saúde e ao seu papel de coordenação na cooperação internacional para o combate às epidemias, defendem o aprofundamento da cooperação internacional nesta área, bem como a aceleração do desenvolvimento de medicamentos e vacinas.

As partes conclamam todos a pôr fim à politização do tema da pandemia e a unir todos os esforços para derrotar conjuntamente a infecção por coronavírus, responder conjuntamente aos vários desafios e ameaças e a envidar esforços para acelerar a implementação da Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030.

2. Este ano marca o 75º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial – a maior tragédia da história da humanidade, que ceifou dezenas de milhões de vidas.

União Soviética e China receberam o golpe principal do fascismo e do militarismo, suportaram o peso da resistência aos agressores, detiveram, derrotaram e destruíram os invasores à custa de enormes perdas humanas, ao mesmo tempo que mostravam dedicação e patriotismo sem paralelo.

As novas gerações estão em dívida com aqueles que caíram em nome da defesa da liberdade e da independência, para o triunfo do bem, da justiça e do humanismo.

Uma moderna relação russo-chinesa, relação de parceria inclusiva e engajamento estratégico quando o mundo embarca numa nova era, é marcada pela carga poderosa e positiva de verdadeira camaradagem forjada nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial.

Preservar a verdade histórica sobre esta guerra é dever sagrado de toda a humanidade.

Rússia e a China se oporão conjuntamente às tentativas de falsificar a história, de converter em heróis os nazistas, os militaristas e seus cúmplices, e de degradar os vencedores. Nossos países não permitirão qualquer ‘revisão’ dos resultados da Segunda Guerra Mundial consagrados na Carta das Nações Unidas e em outros documentos internacionais.

3. No ano do 75º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial e da formação das Nações Unidas, Rússia e China, como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, reiteram sua firme adesão aos princípios do multilateralismo, e apoiam a realização de reuniões de alto nível programadas para coincidir com o 75º aniversário da fundação da ONU e o 75º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial. Reiteram também a importância de convocar a comunidade internacional a proteger conjuntamente o sistema de relações internacionais, no qual a ONU desempenha papel central, e a ordem mundial baseada nos princípios do direito internacional, reafirmar as posições estabelecidas no a Declaração da Federação Russa e da República Popular da China sobre o Reforço do Papel do Direito Internacional de 25 de junho de 2016.

O lado chinês apoia a iniciativa do lado russo de convocar uma reunião de chefes de estado – membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Rússia e China pretendem continuar a defender resolutamente os objetivos e princípios da Carta das Nações Unidas, em particular os princípios de igualdade soberana e de não interferência nos assuntos internos de outros Estados, e defender a paz global e estabilidade.

As partes defendem a justiça nos assuntos internacionais, reformando e melhorando o sistema de governança global. As partes rejeitam categoricamente a prática de ações unilaterais e de protecionismo, a política de força e a perseguição entre estados, a introdução de sanções unilaterais que não sejam amparadas por fundamentos jurídicos internacionais; rejeitam também a aplicação extraterritorial de legislação nacional.

4. Há sérios desafios na esfera da segurança internacional, na responsabilidade por apoiar o Velho Pensamento nas categorias da Guerra Fria, forçando uma atmosfera de rivalidade entre as grandes potências. Operar para tentar garantir a própria segurança às expensas da segurança de outros estados compromete seriamente os princípios básicos das relações internacionais, a estabilidade global e regional e a segurança.

As partes destacam a importância de se manterem relações de interação construtiva entre as grandes potências com vistas a resolver problemas mundiais estratégicos em bases de igualdade e em espírito de respeito mútuo. Como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e como estados armados com armamento nuclear, as partes desempenham papel especial para preservar a estabilidade estratégica global e trabalham sob o espírito da Declaração Conjunta da Federação Russa e da República Popular da China assinada dia 5/6/2019, para fortalecer a estabilidade estratégica global na era moderna, para continuar a aprofundar a confiança estratégica mútua e manter a interação estratégica global e regional.

Rússia e China conclamam todos os estados que participam dos acordos e tratados para controle de armas, desarmamento e não proliferação a respeitar estritamente o fixado naqueles tratados e a respeitar os procedimentos para resolução de conflitos neles acordados.

5. As Partes continuarão a desenvolver a cooperação no campo da promoção e proteção dos direitos humanos, para promover, no âmbito dos órgãos de direitos humanos da ONU, a igualdade de tratamento de todas as categorias de direitos humanos, para intensificar os esforços em áreas que recebem atenção especial nos países em desenvolvimento: a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais e o direito ao desenvolvimento.

As Partes opõem-se à politização da agenda internacional de direitos humanos e opõem-se ao uso das questões de direitos humanos como pretexto para interferir nos assuntos internos de Estados soberanos.

6 As Partes implementam consistentemente uma política abrangente nessa área, eliminam causas e consequências do problema, promovem a formação de uma frente comum global contra o terrorismo, (???) papel central da ONU, opõem-se à associação ‘automática’ entre determinados estados e (i) terrorismo/extremismos; e (ii) religiões; e (iii) nacionalidades ou civilizações, quaisquer que sejam. E opõem-se à aplicação de duplos critérios nas atividades antiterroristas.

7. As partes conclamam a comunidade mundial a unir esforços na luta contra o uso de tecnologias de informação e comunicação para fins incompatíveis com os objetivos de manter a paz, a segurança e a estabilidade internacional e regional, bem como para atividades criminosas e terroristas executadas mediante tecnologias de informação e da comunicação.

As partes defendem a prevenção de conflitos entre estados que possam surgir como resultado do uso ilegal de tecnologias de informação e comunicação e reafirmam o papel fundamental da ONU no combate às ameaças no campo da segurança da informação internacional.

Nesse contexto, expressam seu apoio às atividades realizadas na ONU para desenvolver regras, normas e princípios de comportamento responsável dos Estados no espaço da informacional.

As partes saúdam e observam a oportunidade do lançamento, de acordo com a Resolução da Assembleia Geral da ONU nº 73/27, sob os auspícios das Nações Unidas, do primeiro mecanismo de negociação sobre o tema, do qual todos os Estados podem participar – o Grupo de Trabalho Permanente sobre Realizações no Campo da Informação e das Telecomunicações no Contexto da Segurança Internacional.

As partes também conclamam todos os Estados a participarem construtivamente do trabalho do Comitê Intergovernamental Ad Hoc de Especialistas, estabelecido de acordo com a Resolução 74/247 da Assembleia Geral da ONU , e do desenvolvimento inicial de uma convenção da ONU contra o uso criminoso de tecnologias de informação e comunicação.

As partes enfatizam a unidade de posições sobre a governança da Internet, incluindo a garantia de direitos iguais para os Estados participarem da governança da rede global, e observam a necessidade de aprimorar o papel da União Internacional de Telecomunicações neste contexto.

As partes concordaram em continuar a aprofundar a cooperação bilateral com base no Acordo entre o Governo da Federação Russa e o Governo da República Popular da China sobre cooperação no campo da segurança da informação internacional datado de 8 de maio de 2015.

8. As partes – cientes do impacto abrangente da economia digital no desenvolvimento socioeconômico dos países do mundo e no sistema de governança global, acreditam que a segurança do armazenamento de dados digitais afeta a segurança nacional, os interesses públicos e os direitos de indivíduos em cada estado – apelam a todos os países para que respeitem os princípios de participação universal para alcançar o desenvolvimento de regras globais de segurança de dados digitais que reflitam as aspirações de todos os estados e respeitem os interesses de todos os países.

O lado russo prestou atenção à “Iniciativa Global de Segurança de Dados Digitais” apresentada pelo lado chinês e saúda os esforços do lado chinês para fortalecer a segurança global dos dados digitais.

As partes expressam sua intenção de desenvolver a cooperação no campo da segurança da informação internacional em um formato bilateral, ONU, BRICS, OCX, Fórum Regional para Segurança das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN Regional Forum for Security) e outras plataformas multilaterais globais e regionais.

As Partes reconhecem o potencial significativo para o desenvolvimento da economia digital, especialmente durante uma pandemia, e apelam à comunidade mundial para que sigam as tendências de desenvolvimento; encorajem novos métodos de gestão econômica, novas indústrias, novos modelos de desenvolvimento; para que, juntos, formem ambiente aberto, justo e não discriminatório, para o desenvolvimento e aplicação de tecnologias de informação, atentos à segurança de dados e fluxos transnacionais; para que apoiem cadeias de abastecimento globais de produtos e serviços de informação.

9. As Partes envidam esforços para preservar o papel de liderança da Organização Mundial do Comércio nas áreas de liberalização e coordenação do comércio no desenvolvimento de regras para o comércio global e apoiar o sistema de comércio multilateral, cuja “pedra angular” é a OMC .

As partes conclamam a comunidade internacional a fortalecer a coordenação no campo da política macroeconômica, proteger a segurança e estabilidade das cadeias de valor globais, estimular o desenvolvimento da globalização econômica em direção a uma maior abertura, inclusão, prosperidade compartilhada, equilíbrio, benefício comum e contribuir para um recuperação inicial da economia mundial.

10. As partes têm em alta consideração a interação para discutir prioridades tópicas regionais, inclusive os casos que tenham a ver com Irã, Afeganistão, Síria e a Península Coreana.

Enfatizam que a única via efetiva para resolver problemas é o diálogo e declaram-se prontas, mediante o consenso, a continuar a participar de consultas multilaterais e do trabalho das plataformas de diálogo, para promover os processos de resolução política e diplomática de problemas relevantes.

11. Rússia e China continuarão seu trabalho de alinhar planos para o desenvolvimento da União Econômica da Eurásia e a construção da Iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada, contribuindo para o fortalecimento da conectividade regional e do desenvolvimento econômico no espaço da Eurásia..

As partes confirmam o seu compromisso com a promoção paralela e coordenada da Grande Parceria da Eurásia e da Iniciativa Cinturão e Estrada.

12. O lado chinês apoia firmemente o trabalho feito pela Rússia na presidência dos grupos BRICS e OCX, e ativamente colaborará com o lado na preparação para a reunião dos chefes de estado dos BRICS e para a reunião dos chefes de estado da OCX, esse ano. As partes continuarão a reforçar contatos de coordenação dentro do G20, da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) e de outros mecanismos multilaterais, reforçando o papel construtivo desses mecanismos.

Fonte: Ministério de Relações Exteriores da Rússia. Tradução não oficial do inglês

Fonte: https://www.brasil247.com/mundo/conheca-a-declaracao-conjunta-de-russia-e-china-que-mete-medo-a-trump

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

O pronunciamento histórico de Lula ao Brasil no 7 de setembro, comentado...

Leia a íntegra do pronunciamento de Lula neste 7 de setembro

 

Em discurso pelo Dia da Independência, ex-presidente faz um diagnóstico da situação brasileira, denuncia crimes cometidos por Bolsonaro e se coloca à disposição do povo brasileiro para reconstruir o País

7 de setembro de 2020, 15:31 h Atualizado em 7 de setembro de 2020, 18:01

Ex-presidente Lula em pronunciamento de 7 de setembro Ex-presidente Lula em pronunciamento de 7 de setembro (Foto: Reprodução)

“Minhas amigas e meus amigos.

Nos últimos meses uma tristeza infinita vem apertando meu coração. O Brasil está vivendo um dos piores períodos de sua história.

Com 130 mil mortos e quatro milhões de pessoas contaminadas, estamos despencando em uma crise sanitária, social, econômica e ambiental nunca vista.

Mais de duzentos milhões de brasileiras e brasileiros acordam, todos os dias, sem saber se seus parentes, amigos ou eles próprios estarão saudáveis e vivos à noite.

A esmagadora maioria dos mortos pelo Coronavírus é de pobres, pretos, pessoas vulneráveis que o Estado abandonou.

Na maior e mais rica cidade do país, as mortes pelo Covid-19 são 60% mais altas entre pretos e pardos da periferia, segundo os dados das autoridades sanitárias.

Cada um desses mortos que o governo federal trata com desdém tinha nome, sobrenome, endereço. Tinha pai, mãe, irmão, filho, marido, esposa, amigos. Dói saber que dezenas de milhares de brasileiras e brasileiros não puderam se despedir de seus entes queridos. Eu sei o que é essa dor.

Teria sido possível, sim, evitar tantas mortes.

Estamos entregues a um governo que não dá valor à vida e banaliza a morte. Um governo insensível, irresponsável e incompetente, que desrespeitou as normas da Organização Mundial de Saúde e converteu o Coronavírus em uma arma de destruição em massa.

Os governos que emergiram do golpe congelaram recursos e sucatearam o Sistema Único de Saúde, o SUS, respeitado mundialmente como modelo para outras nações em desenvolvimento. E o colapso só não foi ainda maior graças aos heróis anônimos, as trabalhadoras e trabalhadores do sistema de saúde.

Os recursos que poderiam estar sendo usados para salvar vidas foram destinados a pagar juros ao sistema financeiro.

O Conselho Monetário Nacional acaba de anunciar que vai sacar mais de 300 bilhões de reais dos lucros das reservas que nossos governos deixaram.

Seria compreensível se essa fortuna fosse destinada a socorrer o trabalhador desempregado ou a manter o auxílio emergencial de 600 reais enquanto durar a pandemia.

Mas isso não passa pela cabeça dos economistas do governo. Eles já anunciaram que esse dinheiro vai ser usado para pagar os juros da dívida pública!

Nas mãos dessa gente, a Saúde pública é maltratada em todos os seus aspectos.

A substituição da direção do Ministério da Saúde por militares sem experiência médica ou sanitária é apenas a ponta de um iceberg. Em uma escalada autoritária, o governo transferiu centenas de militares da ativa e da reserva para a administração federal, inclusive em muitos postos-chave, fazendo lembrar os tempos sombrios da ditadura.

O mais grave de tudo isso é que Bolsonaro aproveita o sofrimento coletivo para, sorrateiramente, cometer um crime de lesa-pátria.

Um crime politicamente imprescritível, o maior crime que um governante pode cometer contra seu país e seu povo: abrir mão da soberania nacional.

Não foi por acaso que escolhi para falar com vocês neste 7 de Setembro, dia da Independência do Brasil, quando celebramos o nascimento do nosso país como nação soberana.

Soberania significa independência, autonomia, liberdade. O contrário disso é dependência, servidão, submissão.

Ao longo de minha vida sempre lutei pela liberdade.

Liberdade de imprensa, liberdade de opinião, liberdade de manifestação e de organização, liberdade sindical, liberdade de iniciativa.

É importante lembrar que não haverá liberdade se o próprio país não for livre.

Renunciar à soberania é subordinar o bem-estar e a segurança do nosso povo aos interesses de outros países.

A garantia da soberania nacional não se resume à importantíssima missão de resguardar nossas fronteiras terrestres e marítimas e nosso espaço aéreo. Supõe também defender nosso povo, nossas riquezas minerais, cuidar das nossas florestas, nossos rios, nossa água.

Na Amazônia devemos estar presentes com cientistas, antropólogos e pesquisadores dedicados a estudar a fauna e a flora e a empregar esse conhecimento na farmacologia, na nutrição e em todos os campos da ciência – respeitando a cultura e a organização social dos povos indígenas.

O governo atual subordina o Brasil aos Estados Unidos de maneira humilhante, e submete nossos soldados e nossos diplomatas a situações vexatórias. E ainda ameaça envolver o país em aventuras militares contra nossos vizinhos, contrariando a própria Constituição, para atender os interesses econômicos e estratégico-militares norte-americanos.

A submissão do Brasil aos interesses militares de Washington foi escancarada pelo próprio presidente ao nomear um oficial general das Forças Armadas Brasileiras para servir no Comando Militar Sul dos Estados Unidos, sob as ordens de um oficial americano.

Em outro atentado à soberania nacional, o atual governo assinou com os Estados Unidos um acordo que coloca a Base Aeroespacial de Alcântara sob o controle de funcionários norte-americanos e que priva o Brasil de acesso à tecnologia, mesmo de terceiros países.

Quem quiser saber os verdadeiros objetivos do governo não precisa consultar manuais secretos da Abin ou do serviço de inteligência do Exército.

A resposta está todos os dias no Diário Oficial, em cada ato, em cada decisão, em cada iniciativa do presidente e de seus assessores, banqueiros e especuladores que ele chamou para dirigir nossa economia.

Instituições centenárias, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES, que se confundem com a história do desenvolvimento do país, estão sendo esquartejadas e fatiadas – ou simplesmente vendidas a preço vil.

Bancos públicos não foram criados para enriquecer famílias. Eles são instrumentos do progresso. Financiam a casa do pobre, a agricultura familiar, as obras de saneamento, a infraestrutura essencial ao desenvolvimento.

Se olharmos para o setor energético, veremos uma política de terra arrasada igualmente predadora.

Depois de colocar à venda por valores ridículos as reservas do Pré-Sal, o governo desmantela a Petrobrás. Venderam a distribuidora e os gasodutos foram alienados. As refinarias estão sendo esquartejadas. Quando só restarem os cacos, chegarão as grandes multinacionais para arrematar o que tiver sobrado de uma empresa estratégica para a soberania do Brasil.

Meia dúzia de multinacionais ameaçam a renda de centenas de bilhões de reais do petróleo do Pré-Sal – recursos que constituiriam um fundo soberano para financiar uma revolução educacional e científica.

A Embraer, um dos maiores trunfos do nosso desenvolvimento tecnológico, só escapou da sanha entreguista em função das dificuldades da empresa que iria adquiri-la, a Boeing, profundamente ligada ao complexo industrial militar dos Estados Unidos.

O desmanche não termina aí.

O furor privatista do governo pretende vender, na bacia das almas, a maior empresa de geração de energia da América Latina, a Eletrobrás, uma gigante com 164 usinas – duas delas termonucleares – responsável por quase 40% da energia consumida no Brasil.

A demolição das universidades, da educação e o desmonte das instituições de apoio à ciência e à tecnologia, promovidos pelo governo, são ameaça real e concreta à nossa soberania.

Um país que não produz conhecimento, que persegue seus professores e pesquisadores, que corta bolsas de pesquisas e nega o ensino superior à maioria de sua população está condenado à pobreza e à eterna submissão.

A obsessão destrutiva desse governo deixou a cultura nacional entregue a uma sucessão de aventureiros. Artistas e intelectuais clamam pela salvação da Casa de Ruy Barbosa, da Funarte, da Ancine. A Cinemateca Brasileira, onde está depositado um século da memória do cinema nacional, corre o sério risco de ter o mesmo destino trágico do Museu Nacional

Minhas amigas e meus amigos.

No isolamento da quarentena tenho refletido muito sobre o Brasil e sobre mim mesmo, sobre meus erros e acertos e sobre o papel que ainda pode me caber na luta do nosso povo por melhores condições de vida.

Decidi me concentrar, ao lado de vocês, na reconstrução do Brasil como Nação independente, com instituições democráticas, sem privilégios oligárquicos e autoritários. Um verdadeiro Estado Democrático e de Direito, com fundamento na soberania popular. Uma Nação voltada para a igualdade e o pluralismo. Uma Nação inserida numa nova ordem internacional baseada no multilateralismo, na cooperação e na democracia, integrada na América do Sul e solidária com outras nações em desenvolvimento.

O Brasil que quero reconstruir com vocês é uma Nação comprometida com a libertação do nosso povo, dos trabalhadores e dos excluídos.

Dentro de um mês vou fazer 75 anos.

Olhando para trás, só posso agradecer a Deus, que foi muito generoso comigo. Tenho que agradecer à minha mãe, dona Lindu, por ter feito de um pau-de-arara sem diploma um trabalhador orgulhoso, que um dia viraria presidente da República. Por ter feito de mim um homem sem rancor, sem ódios.

Eu sou o menino que desmentiu a lógica, que saiu do porão social e chegou ao andar de cima sem pedir permissão a ninguém, só ao povo.

Não entrei pela porta dos fundos, entrei pela rampa principal. E isso os poderosos jamais perdoaram.

Reservaram para mim o papel de figurante, mas virei protagonista pelas mãos dos trabalhadores brasileiros.

Assumi o governo disposto a mostrar que o povo cabia, sim, no orçamento. Mais do que isso, provei que o povo é um extraordinário patrimônio, uma enorme riqueza. Com o povo o Brasil progride, se enriquece, se fortalece, se torna um país soberano e justo.

Um país em que a riqueza produzida por todos seja distribuída para todos – mas em primeiro lugar para os explorados, os oprimidos, os excluídos.

Todos os avanços que fizemos sofreram encarniçada oposição das forças conservadoras, aliadas a interesses de outras potências.

Eles nunca se conformaram em ver o Brasil como um país independente e solidário com seus vizinhos latino-americanos e caribenhos, com os países africanos, com as nações em desenvolvimento.

É aí, nessas conquistas dos trabalhadores, nesse progresso dos pobres, no fim da subserviência, é aí que está a raiz do golpe de 2016.

Aí está a raiz dos processos armados contra mim, da minha prisão ilegal e da proibição da minha candidatura em 2018. Processos que – agora todo mundo sabe – contaram com a criminosa colaboração secreta de organismos de inteligência norte-americanos.

Ao tirar 40 milhões de brasileiros da miséria, nós fizemos uma revolução neste país. Uma revolução pacífica, sem tiros nem prisões.

Ao ver que esse processo de ascensão social dos pobres iria continuar, que a afirmação de nossa soberania não iria ter volta, os que se julgam donos do Brasil, aqui dentro e lá fora, resolveram dar um basta.

Nasce aí o apoio dado pelas elites conservadoras a Bolsonaro.

Aceitaram como natural sua fuga dos debates. Derramaram rios de dinheiro na indústria das fake news. Fecharam os olhos para seu passado aterrador. Fingiram ignorar seu discurso em defesa da tortura e a apologia pública que ele fez do estupro.

As eleições de 2018 jogaram o Brasil em um pesadelo que parece não ter fim.

Com ascensão de Bolsonaro, milicianos, atravessadores de negócios e matadores de aluguel saíram das páginas policiais e apareceram nas colunas políticas.

Como nos filmes de terror, as oligarquias brasileiras pariram um monstrengo que agora não conseguem controlar, mas que continuarão a sustentar enquanto seus interesses estiverem sendo atendidos.

Um dado escandaloso ilustra essa conivência: nos quatro primeiros meses da pandemia, quarenta bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em 170 bilhões de reais.

Enquanto isso, a massa salarial dos empregados caiu 15% em um ano, o maior tombo já registrado pelo IBGE. Para impedir que os trabalhadores possam se defender dessa pilhagem, o governo asfixia os sindicatos, enfraquece as centrais sindicais e ameaça fechar as portas da Justiça do Trabalho. Querem quebrar a coluna vertebral do movimento sindical, o que nem a ditadura conseguiu.  

Violentaram a Constituição de 1988. Repudiaram as práticas democráticas. Implantaram um autoritarismo obscurantista, que destruiu as conquistas sociais alcançadas em décadas de lutas. Abandonaram uma política externa altiva e ativa, em favor de uma submissão vergonhosa e humilhante.

Este é o verdadeiro e ameaçador retrato do Brasil de hoje.

Tamanha calamidade terá que ser enfrentada com um novo contrato social que defenda os direitos e a renda do povo trabalhador.

Minhas queridas e meus queridos.

Minha longa vida, aí incluídos os quase dois anos que passei em uma prisão injusta e ilegal, me ensinou muito.

Mas tudo o que fui, tudo o que aprendi cabe num grão de milho se essa experiência não for colocada a serviço dos trabalhadores.

É inaceitável que 10% da população vivam à custa da miséria de 90% do povo.

Jamais haverá crescimento e paz social em nosso país enquanto a riqueza produzida por todos for parar nas contas bancárias de meia dúzia de privilegiados.

Jamais haverá crescimento e paz social se as políticas públicas e as instituições não tratarem com equidade a todos brasileiros.

É inaceitável que os trabalhadores brasileiros  continuem sofrendo os impactos perversos da desigualdade social. Não podemos admitir que nossa juventude negra tenha suas vidas marcadas por uma  violência que beira genocídio.

Desde que vi, naquele terrível vídeo, os 8 minutos e 43 segundos de agonia de George Floyd, não paro de me perguntar: quantos George Floyd nós tivemos no Brasil? Quantos brasileiros perderam a vida por não serem brancos? Vidas negras importam, sim. Mas isso vale para o mundo, para os Estados Unidos e vale para o Brasil.

É intolerável que nações indígenas tenham suas terras invadidas e saqueadas e suas culturas destruídas. O Brasil que queremos é o do marechal Rondon e dos irmãos Villas-Boas, não o dos grileiros e dos devastadores de florestas.

Temos um governo que quer matar as mais belas virtudes do nosso povo, como a generosidade, o amor à paz e a tolerância.

O povo não quer comprar revólveres nem cartuchos de carabina. O povo quer comprar comida.

Temos que combater com firmeza a violência impune contra as mulheres. Não podemos aceitar que um ser humano seja estigmatizado por seu gênero. Repudiamos o escárnio público com os quilombolas. Condenamos o preconceito que trata como seres inferiores pobres que vivem nas periferias das grandes cidades.

Até quando conviveremos com tanta discriminação, tanta intolerância, tanto ódio?

Meus amigos e minhas amigas,

Para reconstruirmos o Brasil pós pandemia, precisamos de um novo contrato social entre todos os brasileiros.

Um contrato social que garanta a todos o direito de viver em paz e harmonia. Em que todos tenhamos as mesmas possiblidades de crescer, onde nossa economia esteja a serviço de todos e não de uma pequena minoria. E no qual sejam respeitados nossos tesouros naturais, como o Cerrado, o Pantanal, a Amazônia Azul e a Mata Atlântica.

O alicerce desse contrato social tem que ser o símbolo e a base do regime democrático: o voto. É através do exercício do voto, livre de manipulações e fake news, que devem ser formados os governos e ser feitas as grandes escolhas e as opções fundamentais da sociedade.

Através dessa reconstrução, lastreada no voto, teremos um Brasil um democrático, soberano, respeitador dos direitos humanos e das diferenças de opinião, protetor do meio ambiente e das minorias e defensor de sua própria soberania.

Um Brasil de todos e para todos.

Se estivermos unidos em torno disso poderemos superar esse momento dramático.

O essencial hoje é vencer a pandemia, defender a vida e a saúde do povo. É pôr fim a esse desgoverno e acabar com o teto de gastos que deixa o Estado brasileiro de joelhos diante do capital financeiro nacional e internacional.

Nessa empreitada árdua, mas essencial, eu me coloco à disposição do povo brasileiro, especialmente dos trabalhadores e dos excluídos.

Minhas amigas e meus amigos.

Queremos um Brasil em que haja trabalho para todos.

Estamos falando de construir um Estado de bem-estar social que promova a igualdade de direitos, em que a riqueza produzida pelo trabalho coletivo seja devolvida à população segundo as necessidades de cada um.

Um Estado justo, igualitário e independente, que dê oportunidades para os trabalhadores, os mais pobres e os excluídos.

Esse Brasil dos nossos sonhos pode estar mais próximo do que aparenta.

Até os profetas de Wall Street e da City de Londres já decretaram que o capitalismo, tal como o mundo o conhece, está com os dias contados. Levaram séculos para descobrir uma verdade inquestionável que os pobres conhecem desde que nasceram: o que sustenta o capitalismo não é o capital. Somos nós, os trabalhadores.

É nessas horas que me vem à cabeça esta frase que li num livro de Victor Hugo, escrito há um século e meio, e que todo trabalhador deveria levar no bolso, escrita em um pedacinho de papel, para jamais esquecer:

“É do inferno dos pobres que é feito o paraíso dos ricos…”

Nenhuma solução, porém, terá sentido sem o povo trabalhador como protagonista. Assim como a maioria dos brasileiros, não acredito e não aceito os chamados pactos “pelo alto”, com as elites. Quem vive do próprio trabalho não quer pagar a conta dos acertos políticos feitos no andar de cima.

Por isso quero reafirmar algumas certezas pessoais:

Não apoio, não aceito e não subscrevo qualquer solução que não tenha a participação efetiva dos trabalhadores.

Não contem comigo para qualquer acordo em que o povo seja mero coadjuvante.

Mais do que nunca, estou convencido de que a luta pela igualdade social passa, sim, por um processo que obrigue os ricos a pagar impostos proporcionais às suas rendas e suas fortunas.

E esse Brasil, minhas amigas e meus amigos, está ao alcance das nossas mãos.

Posso afirmar isso olhando nos olhos de cada um e de cada uma de vocês. Nós provamos ao mundo que o sonho de um país justo e soberano pode sim, se tornar realidade.

Eu sei – vocês sabem – que podemos, de novo, fazer do Brasil o país dos nossos sonhos.

E dizer, do fundo do meu coração: estou aqui. Vamos juntos reconstruir o Brasil.

Ainda temos um longo caminho a percorrer juntos.

Fiquem firmes, porque juntos nós somos fortes.

Viveremos e venceremos.”

Luiz Inácio Lula da Silva

Fonte: https://www.brasil247.com/poder/leia-a-integra-do-pronunciamento-de-lula-neste-7-de-setembro