terça-feira, 20 de agosto de 2013

Milhares desaparecem no Rio de Janeiro

 

por Fabíola Ortiz, da IPS

Elizabeth Milhares desaparecem no Rio de Janeiro

Elizabeth Gomes da Silva, mulher de Amarildo Dias de Souza, desaparecido desde 14 de julho, na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Foto: Fabíola Ortiz/IP

Rio de Janeiro, Brasil, 20/8/2013 – Em duas décadas, o Estado do Rio de Janeiro registrou quase 92 mil pessoas desaparecidas, afirma um estudo independente. A maioria dos casos ficou sem resposta e acabaram como muitos crimes não esclarecidos: arquivados. Amarildo Dias de Souza, de 43 anos, vivia na Rocinha, uma das maiores favelas da cidade do Rio de Janeiro. Mais precisamente em um beco no alto do morro conhecido como Roupa Suja. Sua casa de apenas dez metros quadrados abrigava seis filhos.

Ali não há iluminação pública nem nenhum outro tipo de infraestrutura urbana, como saneamento, água potável ou coleta de lixo. Para manter sua família, incluída sua mulher com quem estava casado há 30 anos, Amarildo trabalhava como ajudante de pedreiro e fazia pequenos trabalhos para conseguir algum dinheiro. Quando não trabalhava, ia pescar. No dia 14 de julho, um domingo, regressou da pesca e na porta de sua casa foi abordado por um grupo de 20 policiais militares, que queriam levá-lo para uma averiguação na sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

As UPP foram criadas pelo governo estadual para ocupar favelas de forma permanente e libertá-las do narcotráfico. A ação policial é seguida de programas sociais. A Rocinha foi “pacificada” em setembro de 2012, quando a polícia ocupou esse enorme conjunto de favelas e expulsou um grupo de traficantes que controlavam a área e costumavam andar fortemente armados.

Amarildo foi visto pela última vez entrando na viatura policial. Seu caso foi mais um motivo para os protestos que acontecem quase diariamente nesta cidade. Seu rosto aparece estampado em cartazes espalhados pelo Rio de Janeiro com a pergunta “Onde está Amarildo?”. “Há uma série de irregularidades na forma como a polícia atuou. Se era para uma averiguação, bastaria que fosse à delegacia e não à sede da UPP. São equívocos da atuação policial que por si só merecem ser investigados”, disse à IPS a assessora em ativismo e mobilização do escritório da Anistia Internacional no Brasil, Jandira Queiroz.

A Anistia está solicitando aos seus três milhões de filiados em todo o mundo que enviem cartas ao governador do Rio de Janeiro e à Secretaria da Segurança pedindo uma investigação completa do caso, proteção para as testemunhas e identificação e punição para os responsáveis. “A polícia diz que o libertou. Até agora não foi encontrado nada, nem provas de onde poderia estar, nem o corpo. Se morreu, a família quer pelo menos lhe dar um enterro digno”, destacou Jandira.

As câmeras de controle da base da UPP, que poderiam confirmar a versão oficial, não funcionavam naquela noite. E os equipamentos de GPS das viaturas que foram buscar Amarildo estavam desligados. A Polícia Civil trabalha com a hipótese de assassinato, cometido tanto por policiais quanto por traficantes de drogas. A família tem cada vez menos esperança de encontrá-lo com vida. O clima onde ele morava é de desamparo e impunidade.

“Os policiais da UPP levaram meu marido e seus documentos. Ele desapareceu há um mês, e não tenho dinheiro. Pelo menos quero seus ossos para enterrar. Quero uma resposta: onde está Amarildo?”, disse, indignada, sua mulher, Elizabeth Gomes da Silva. O caso trouxe à tona dezenas de outras pessoas que desapareceram sem deixar rastros e caíram no esquecimento. Muitos desses incidentes tinham agentes policiais como principais suspeitos.

Segundo o Instituto de Segurança Pública, no Estado do Rio de Janeiro desaparecem, em média, 15 pessoas por dia. As causas mais comuns são assassinatos, disputas familiares e problemas mentais. Já na cidade do Rio de Janeiro essa média é de seis por dia. Mas estas estatísticas não são depuradas quando, por exemplo, um desaparecimento se transforma em homicídio, ao aparecer o cadáver.

Uma pesquisa feita pelo sociólogo Fábio Araújo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresentou como resultado 91.807 desaparecimentos registrados entre 1991 e maio deste ano. Em 2011, o registro mencionava 5.482 casos e em 2012 5.934. A maioria é de homens e moradores de favelas ou subúrbios pobres. “A atuação policial é violentíssima, bem como a das milícias (grupos parapoliciais ou paramilitares dedicados à extorsão e ao crime) e a do narcotráfico. Estes atores ora disputam ora colaboram para fazer desaparecer corpos”, explicou Araújo.

No dia 13, familiares de desaparecidos e movimentos sociais se reuniram em uma audiência pública organizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. “O carro da minha irmã foi baleado pela polícia e ela está desaparecida há cinco anos. Creio que nunca mais a veremos. Nossa família não pôde encerrar o ciclo, não temos corpo para enterrar”, disse à IPS Adriano Aimeiro, irmão da engenheira Patrícia Amieiro de 24 anos. Ela desapareceu em junho de 2008.

No Senado tramita um projeto de lei que propõe incluir no Código Penal uma artigo que tipifique o crime de desaparecimento forçado. O costume de ocultar cadáveres é comum neste país, porque, quando o corpo da vítima não é encontrado, as autoridades deixam de investigar o caso.

“Este é um país de impunidade com relação aos crimes contra a vida. Milhares de pessoas desaparecem e as autoridades não se preocupam com seu paradeiro. Muitos nem mesmo chegam a ser registrados nas delegacias, e algumas dessas práticas são executadas por policiais”, afirmou à IPS o presidente da organização não governamental Rio de Paz, Antônio Carlos Costa. Para Costa, a quantidade de assassinatos é maior do que a divulgada e há cemitérios clandestinos dispersos pela região metropolitana do Rio. “Isso torna a estatística assombrosa e humilhante. Vivemos em uma cultura de banalização da vida humana que se reflete no poder público”, ressaltou.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Marcelo Freixo, apontou “profundas contradições” nas investigações sobre o paradeiro de Amarildo de Souza e enviou na segunda semana deste mês um ofício para que a promotoria e a polícia civil esclareçam as divergências. Em sua opinião, a versão policial associando Amarildo ao tráfico na Rocinha é uma tentativa de “desqualificar a vítima e a denúncia”. Freixo disse à IPS que não há nenhum indício que comprove que Amarildo ou sua família estivessem envolvidos com o narcotráfico.

O deputado propôs criar um grupo de trabalho no qual se associem a Promotoria e as secretarias de Segurança, Assistência Social e Direitos Humanos para acompanhar os casos de desaparecimento no Estado. Envolverde/IPS

(IPS)

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