domingo, 3 de março de 2013

Nota de conjuntura XI

 

No mundo, a crise financeira continua. No Brasil, após os dez anos de governo federal do PT, é possível sentir o avanço social. Mas ainda é preciso atacar questões estratégicas, como a democratização dos meios de comunicação, a reforma política e a contenção da "judicialização" da política

O ano se iniciou com uma série de fatos relevantes no cenário internacional, como a posse de Barack Obama para cumprir seu segundo mandato, a intervenção armada da França no Mali, o assassinato de um ativista laico na Tunísia, o escândalo das propinas pagas por empreiteiras a políticos do Partido Popular na Espanha, incluindo o atual primeiro-ministro Mariano Rajoy, as eleições parlamentares em Israel, o retorno dos liberais ao governo do Japão, a abdicação do papa e a nova explosão de um artefato nuclear pela Coreia do Norte.
O discurso de posse do presidente dos EUA, no tocante à política externa, deu peso à defesa da hegemonia americana no mundo. Isso, porém, deverá ser combinado com uma política de combate ao déficit econômico do país, que já alcançou 100% do PIB, indicando que buscará ampliar os acordos comerciais regionais favorecidos pela desvalorização do dólar e sua política de segurança investirá na instalação de bases militares em regiões sensíveis como o Norte da África, o Oriente Médio e o Extremo Oriente, com redução do número de tropas e equipamentos regulares e ampliação da ação de forças especiais e aviões não tripulados.
A atual intervenção armada liderada pela França no Mali, com apoio dos EUA e da Otan, representa mais um passo na "balcanização" do processo político iniciado pela chamada "Primavera Árabe", particularmente a partir da interferência do Ocidente em países como Líbia e Síria. Mesmo em países como Tunísia e Egito, onde as ditaduras caíram graças às mobilizações populares, o processo político levou posteriormente a impasses entre forças laicas e partidos islâmicos. Um importante líder da "Frente Popular" na Tunísia, Chocri Belaïd, foi assassinado em 6 de fevereiro, depois de receber várias ameaças por suas críticas ao Partido Ennahda, grupo islâmico majoritário no governo, e aos radicais salafitas. E sua morte provocou novas mobilizações.
A esse cenário acrescenta-se o resultado das eleições israelenses, nas quais a coligação do partido Likud do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu com o Israel Beiteinu de seu ex-chanceler Avigdor Lieberman conquistou número suficiente de votos para ter a primazia de formar o novo governo. Para obter a maioria no Parlamento (61 cadeiras), porém, dependerá de alianças ao centro e com os partidos ultrarreligiosos, o que implicará o prosseguimento da colonização dos territórios palestinos ocupados e a radicalização da segurança. Ou seja, as complicações para os palestinos continuam.
Nas eleições parlamentares realizadas no final de 2012 no Japão, os liberais voltaram ao governo, o que fortalece as opções conservadoras na política internacional e no enfrentamento da crise por meio de medidas de austeridade. Um dos novos ministros japoneses chegou a sugerir que a melhor opção para os idosos é cometer haraquiri! A retórica japonesa deverá subir de tom na disputa com a China pela posse das Ilhas Senkaku (em japonês) ou Diaoyu (em chinês) e, particularmente, com a Coreia do Norte, que acaba de detonar seu terceiro artefato nuclear desde a primeira explosão, em 2006. Esse mais recente membro do restrito "clube nuclear" aparentemente se encontra próximo de obter a tecnologia de equipar mísseis de longo alcance com ogivas atômicas.
A crise continua profunda na Europa, conforme demonstra a crescente taxa de desemprego, e com poucas perspectivas de alterações políticas. Tudo indica que a chanceler alemã, Angela Merkel, deverá ser reeleita, o governo socialista na França não consegue apresentar alternativas às receitas alemãs de austeridade no continente e nem mesmo as denúncias de que políticos de renome do Partido Popular, atualmente governando a Espanha, se locupletaram com propinas pagas por empreiteiras têm animado a população a buscar alternativas. A dura realidade na política europeia é que há poucas diferenças entre as políticas econômicas implementadas pela social-democracia e pela direita no continente.
Assim, a integração latino-americana, por meio do Mercosul, da Unasul e da Celac, junto com o fortalecimento das posições dos Brics na geopolítica mundial, torna-se cada vez mais relevante para a continuidade das transformações iniciadas nas últimas décadas e para o enfrentamento dos efeitos da conjuntura internacional. No entanto, o processo político em áreas como México e América Central indica que as forças de esquerda enfrentarão dificuldades para fazer avançar seus projetos progressistas, e mesmo as negociações de paz entre o governo colombiano e as Farc, se bem-sucedidas, serão capitalizadas pelo governo Santos, e não pela esquerda, apesar de esta ter tentado colocar o tema na agenda por muitos anos.

Fonte: Revista Teoria e Debate

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