Portugueses vão às ruas contra cortes e explosão de preços
Medidas contra a crise incluem privatizações, cortes de salários e novas demissões
BBC Brasil | 22/03/2012 07:46- Atualizada às 11:00
Foto: Reuters
Trabalhadores fazem piquete na entrada do estaleiro do Alfeite, em Almada
Milhares de portugueses deverão ir às ruas nesta quinta-feira para protestar contras as medidas de austeridade aprovadas pelo governo do país, incluindo a privatização de diversas indústrias, cortes de salários de funcionários públicos, e aumento de impostos e preços.
A segunda greve geral em quatro meses deve paralisar os principais setores do serviço público no país.
O governo português, liderado pelo Partido Social Democrata, de centro-direita, chegou ao poder após as eleições de junho de 2011 e vem recebendo elogios de representantes do FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia por ter conseguido reduzir drasticamente o déficit no orçamento.
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Passageiros esperam trens na plataforma da estação de Cais do Sodre, em Lisboa
Mas as medidas de austeridade estão afetando diretamente o bolso dos portugueses, que enfrentam uma onda de aumentos em diversos setores.
Nos transportes, os bilhetes mensais subiram entre 25% e 40%, a eletricidade teve um aumento de cerca de 20%, no serviço público de saúde, o valor pago pelas consultas subiu mais de 100% e muitos produtos de primeira necessidade tiveram a taxa de imposto aumentada de 6% para 23%.
Hospital
Para o funcionário de armazém Alfredo Figueiredo, a solução foi tentar deixar de ir ao médico.
"A consulta de emergência passou para 20 euros e antes eu pagava menos da metade. Antigamente, ia ao médico para receber uma receita. Agora vou direto à farmácia para comprar remédios", contou à BBC.
Ele estava no setor de emergência do Hospital de Santa Maria.
"Vim trazer minha mulher", explicava, dizendo que teria de pagar uma parte do custo da consulta. Os hospitais públicos não deixam de atender ninguém, mas se o pagamento não for feito, a conta passa para 50 euros.
Segundo as novas normas, os pacientes com câncer e outras doenças crônicas ficam isentos do pagamento das consultas. Sandra Isabel Cruz, que trabalha como vigia no Ministério da Cultura, enfrenta um câncer e já passou por duas cirurgias. Ela explica que mesmo com as mudanças, continua tendo de arcar com alguns custos.
"Para obter a isenção é preciso passar por uma junta médica e isso são 50 euros, independentemente de termos ou não isenção."
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Transportes
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Portugueses reclamam de aumento de preços em vários setores, incluindo transporte
Para o auxiliar de enfermagem Cândido Teixeira, o aumento do bilhete mensal de transporte foi de cerca de 25%.
"Antes eu pagava em torno de 22 euros, agora estou pagando 29,5 euros", conta, na estação de trem do Rossio, no centro de Lisboa.
Com os aumentos generalizados, ele teve que mudar seus hábitos.
"Eu tomava seis a sete cafés por dia, agora tomo quatro. Ia de férias um mês, agora só vou viajar 15 dias."
Casado com uma brasileira, teve de abandonar o plano de passarem as férias juntos no Brasil. Como tudo ficou mais caro, não vai acompanhar a esposa numa visita à família.
"Agora ela vai só. Se tivesse dinheiro, não deixava ela ir sozinha."
A professora de inglês Conceição Santos deixou de usar o carro por conta do aumento de preços.
"Só esta semana, o preço da gasolina aumentou duas vezes."
A professora diz que para enfrentar a crise ela teve de fazer uma série de cortes, que vão desde livros e roupas até o restaurante na hora do almoço.
Sem futuro
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A estudante de psicologia Keila Cabral não consegue pagar as mensalidades há seis meses
A crise faz até alguns jovens desistirem da perspectiva de um futuro melhor.
"Estou com seis meses de atraso nas mensalidades e estou pensando em deixar o curso", conta a estudante Keila Cabral, no segundo ano de psicologia da Universidade Lusófona.
Nascida em Cabo Verde, Keila contava com a ajuda dos irmãos, que moram em Portugal, para fazer o curso.
"Minha irmã ficou desempregada e eu deixei de pagar a universidade."
Ela trocou o sonho de terminar o curso e fazer mestrado em outro país europeu por esperança menos ambiciosa: "Eu agora gostaria de arrumar um emprego, pagar as dívidas e continuar a viver a minha vida."
A ameaça de ter que deixar a faculdade também aflige João Carlos Proença, do segundo ano do curso de Educação Física da Universidade Lusófona. Natural da região de Castelo Branco, a 190 quilômetros de Lisboa, além das mensalidade de seu curso sua família tem os encargos de sua irmã, que também faz curso superior, mas em outra universidade.
"São cerca de 500 a 520 euros por mês. Já cortamos a internet, antes comprávamos comida com fartura, agora é só o estritamente necessário e também cortamos na gasolina."
A esperança dele é que o pai vá trabalhar no exterior, para enviar dinheiro para os filhos terminarem os estudos.
'Governo não teve escolha'
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O estudante de educação física João Carlos Proença pode ter de suspender os estudos
A última estimativa do governo português coloca o deficit público para 2011 perto de 4% do PIB, bem abaixo da meta oficial de 5,9%.
secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Carlos Moedas, disse à BBC que a administração cortou 27% de todas as posições de gerência no governo federal, e reduziu em 40% os gastos de departamentos que eram considerados ineficientes.
"Não tínhamos escolha, não podíamos fazer isso em vez daquilo. Infelizmente não", disse Moedas.
Ele também afirma que as decisões difíceis contam com o aval das urnas.
"80% dos eleitores votaram nos partidos que assinaram este acordo", disse Moedas, referindo-se ao fato de que os três principais partidos de Portugal foram favoráveis à adoção de duras medidas de austeridade no país.
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