terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Ajustes cambiais na Argentina repercutem na relação com o Brasil

 

por Fabiana Frayssinet, da IPS

argentina chica 629x472 Ajustes cambiais na Argentina repercutem na relação com o Brasil

Os argentinos, como os que transitam pelas ruas centrais de Buenos Aires, estão pendentes da cotação do peso e da possibilidade de economizar dólares. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

Buenos Aires, Argentina, 3/2/2014 – Os ajustes na política cambial da Argentina preocupam o Brasil e trazem consigo a necessidade de uma “agenda” positiva de integração, destinada a compensar desequilíbrios comerciais, em caso de repentinas mudanças macroeconômicas que afetem um ou outro país. A palavra “incerteza” se estendeu na última semana de janeiro pelo Mercado Comum do Sul (Mercosul), devido à desvalorização da moeda e da flexibilização do mercado de divisas da Argentina.

O ministro da fazenda do Brasil, Guido Mantega, garantiu que a depreciação do peso argentino, e uma consequente redução de seu poder de compra, e não teria impacto na economia brasileira. Mas os especialistas temem que afetem suas exportações. Afirmam que a união aduaneira do Mercosul é o espaço para enfrentar o vai e vem econômico interno do Brasil, em especial Argentina, segunda economia do bloco, também formado por Paraguai, Uruguai e Venezuela.

A Argentina é o maior mercado para as exportações manufatureiras brasileiras, com 20% das vendas ao exterior de seu setor de transformação. Em termos globais, a Argentina foi o terceiro destino das exportações brasileiras em 2013, embora bem atrás de China e Estados Unidos,

“Não será surpresa se este ano o Brasil registrar déficit no comércio bilateral com a Argentina, o que não acontece desde 2003”, disse à IPS o vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior, José Augusto de Castro. “O setor automobilístico é o que mais sofrerá porque concentrava até o ano passado 44% das exportações do Brasil para a Argentina”, afirmou.

O governo da presidente Cristina Fernández eliminou, desde o dia 27 de janeiro, a proibição de adquirir dólares para os poupadores, em vigor desde 2011, e reduziu os impostos sobre essa operação, embora mantendo o requisito de declarar ao fisco a origem dos fundos. A flexibilização da chamada “armadilha cambial” foi adotada depois que o peso argentino teve desvalorização histórica nos últimos 12 anos e seu valor em relação ao dólar caiu 11% em um só dia, no dia 24 de janeiro.

O governo explicou que liberou o mercado de divisas quando a relação com o dólar atingiu um nível adequado para suas contas internas. Porém, Castro afirmou que tais medidas serão insuficientes para “conter suas importações”, o que forçará o governo de Fernández a novas decisões para limitar as compras no exterior. Diante de um ciclo de menor demanda internacional das matérias-primas, base da economia argentina, exportações como as de trigo cairão em quantidade e divisas, acrescentou. Isso também “obrigará Buenos Aires a comprar menos”, ressaltou.

O real também caiu 15% em 2013 em relação ao dólar e poderá cair mais este ano, arrastado pelo que ocorrer na Argentina. Neste país a divisa norte-americana valorizou 60% em relação ao peso oficial no ano passado e em janeiro mais 35%. As perdas do Brasil “no comércio com a Argentina serão maiores do que os benefícios da desvalorização do real”, pontuou Castro. A Argentina representa “perdas concretas contra ganhos teóricos da desvalorização do real”, destacou.

“É ruim para o Brasil, mas era esperado”, afirmou, por sua vez, a consultora brasileira da Confederação Nacional da Indústria, Sandra Rios. A também diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento considera que a desvalorização do real “compensa em parte” as perdas da indústria brasileira. Em termos globais, o comércio externo brasileiro terá em 2014 “resultados melhores do que os de 2013”, graças à desvalorização do real, “mas uma melhora nada significativa”, ressaltou.

Segundo Rios, o Mercosul “já vinha sofrendo uma deterioração que se agravou. Não vejo mecanismos do bloco para lidar com a situação. Enquanto a Argentina tenta seus ajustes domésticos, os demais sócios tentarão manter seus interesses”. Diego Coatz, economista-chefe da União Industrial Argentina, disse à IPS que ainda “é muito cedo para afirmações contundentes” sobre a relação com o Brasil. O panorama cambial argentino é incerto e exige novas ações do governo, destacou.

Coatz acrescentou que o que houve na Argentina “não foi uma depreciação competitiva em busca de gerar vantagens em particular no comércio, mas a resposta para um problema financeiro”. A Argentina sofre vertiginosa queda de suas reservas de divisas, de aproximadamente US$ 23 bilhões desde 2011. Isso, somado às dificuldades para ter acesso ao crédito internacional após a suspensão de pagamentos de 2001, obrigou ao controle cambial em outubro de 2011.

Os efeitos na balança bilateral “estão por se ver” e também dependerão “do menor dinamismo da economia brasileira”, apontou Coatz. Para o especialista argentino, este é o momento oportuno para reabilitar “uma agenda positiva” na região. “Não competitiva e negativa, mas de complementaridade, com ênfase na interação produtiva”.

O Brasil, com uma situação financeira mais sólida e maior apoio de reservas internacionais do que a Argentina, “tem uma importante responsabilidade” diante de seu principal sócio comercial, para evitar que sua economia se ressinta. “Fortalecer a demanda da Argentina favorece o Brasil”, ressaltou Coatz.

Essa agenda de integração mais profunda teria por objetivo balancear os desequilíbrios comerciais quando a situação macroeconômica de um dos membros do Mercosul pode afetar a produção do outro. Os mecanismos de assistência poderiam ser, por exemplo, financiar grandes obras de impacto na competitividade do Mercosul, em setores como infraestrutura e transporte, ou apoiar economias latino-americanas vinculadas ao grupo, por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Também poderiam ser incluídas medidas como empréstimos contingenciais do governo brasileiro para evitar que uma crise cambial afete a compra de seus produtos, ou uma linha de crédito para financiar as aquisições por sócios do Mercosul. Uma espécie de “ajudar o outro para ajudar a si mesmo” que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou de “generosidade” em termos de cooperação Sul-Sul, que exigiria adiados mecanismos de diálogo e coordenação permanentes.

Para Coatz a conjuntura cambial poderia ser a oportunidade para impulsionar uma integração complementar, a partir do desenvolvimento produtivo de recursos naturais, como ferro e petróleo, ou de infraestrutura de transporte e energia. “Isso abre a oportunidade de gerar negócios conjuntos em grande escala”, destacou.

A integração produtiva é muito discutida no Mercosul, e foi tentada principalmente no setor automotivo, recordou Coatz. Mas o Brasil, com apoio do BNDES, avançou mais nessa integração com o Peru e inclusive com Bolívia, Colômbia e países da América Central, do que com a Argentina. Passadas as crises conjunturais, será preciso estabelecer uma explicação sobre os motivos e as mudanças de rumos, afirmaram analistas entrevistados na Argentina e no Brasil.

2014 turbulento, alerta o FMI

O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou, no dia 30 de janeiro, que este ano será de “turbulências” financeiras e cenário “volátil” para as economias latino-americanas, devido à “moderação” nos preços das matérias-primas e ao “reequilíbrio” da China em seu papel de locomotiva mundial.

O diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental, Alejandro Werner, disse que o Brasil estará no grupo de países sul-americanos que, por serem “grandes exportadores de matérias-primas e abertos financeiramente”, crescerão quase 4%. Contudo, se verão particularmente restringidos pela falta de investimento, quase igual a 2013.

A Argentina situa-se entre os que viverão um cenário “menos favorável”, por pressões como inflação, balança de pagamentos e situação do mercado de câmbio. Assegura-se que o peso argentino poderia ser alterado em seu valor pela paulatina retirada de estímulos monetários que está sendo executada pelo Federal Reserve dos Estados Unidos. Envolverde/IPS

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