
3 de Janeiro de 2016 às 10:01
Da
Rede
Popular – Para o sociólogo e especialista em relações internacionais,
Marcelo Zero, os governos de esquerda latino-americanos promoveram crescimento
econômico com inclusão social e estão em dificuldades por causa da crise
econômica mundial.
O analista não vê a eleição de Macri na Argentina e a vitória do
anti-chavismo nas eleições parlamentares da Venezuela como prenúncios de uma
guinada liberal, no continente. Para ele, o “neoliberalismo não é um destino
histórico” e a direita encontrará dificuldades para adotar políticas recessivas
porque “a população, mais exigente e reivindicadora, não aceitará regressões em
seus direitos”. Zero entende que a contenção de um avanço da direita depende das
respostas dos governos progressistas à crise mundial.
O colunista do
Brasil 247
defendeu o Mercosul como elemento de integração regional e criticou a política
externa dos EUA, que, segundo ele, mesmo com Obama, “continua apostando na
segmentação dos países da região e propugnando por acordos de livre comércio
bilaterais, nocivos à integração da América do Sul”.
Leia a íntegra da entrevista:
Rede Popular – A trajetória das esquerdas é de ascensão desde a
vitória de Hugo Chávez, na Venezuela, em 1998. Agora o cenário é de crise em
países como Argentina, Brasil e Venezuela. Os governos de esquerda
fracassaram?
Marcelo Zero – Não, não fracassaram. Na realidade, as
experiências recentes dos governos progressistas da América do Sul produziram,
em geral, resultados extraordinários, tanto do ponto de vista social, quanto do
ponto de vista econômico.
Na Venezuela, por exemplo, a desigualdade, medida pelo índice de Gini, foi
reduzida em 54%. A pobreza despencou de 70,8%, em 1996, para 21%, em 2010, e a
extrema pobreza caiu de 40%, em 1996, para 7,3%, em 2010.
São números assombrosos, sem dúvida. Números que colocam a Venezuela como o
país que mais evoluiu no cumprimento das Metas do Milênio, segundo a ONU.
No Brasil, na Argentina, na Bolívia, no Equador e no Uruguai processos
semelhantes de redução substantiva das desigualdades, de diminuição
significativa da pobreza extrema e de ampliação das oportunidades também se
verificaram.
Em âmbito estritamente econômico, houve crescimento impulsionado, em boa
parte, mas não exclusivamente, pelo ciclo das commodities. No Brasil, por
exemplo, o processo de distribuição da renda e de redução das desigualdades
dinamizou sobremaneira o mercado interno de massa, o que se constituiu em vetor
substantivo da expansão econômica que se verificou até 2011.
Assim, esses governos progressistas foram, em perspectiva histórica, bem mais
exitosos que os governos paleoliberais que os antecederam, os quais não fizeram
grandes avanços econômicos e sociais. Ao contrário.
O maior avanço de alguns desses governos foi, contudo, o avanço político.
Tanto a Venezuela quanto a Bolívia e o Equador romperam com seus sistemas
políticos tradicionais, que alijavam sistematicamente a maior parte da população
dos processos decisórios.
Na Bolívia, os indígenas, majoritários naquele país, foram incorporados ao
processo político com representação própria e uma nova Constituição.
Na Venezuela, os setores populares, antes totalmente alijados do processo
político pelo Pacto de Punto Fijo, obtiveram voz e vez com a nova Constituição
chavista, aprovada em referendo democrático.
Entretanto, é necessário levar em consideração que tais processos
progressistas ocorreram e ocorrem em regimes capitalistas e que, portanto, eles
são vulneráveis aos ciclos típicos dessas economias.
Não se pode desvincular, como a faz a imprensa conservadora, a crise dos
governos progressistas da América do Sul da pior crise da economia capitalista
mundial desde 1929.
Uma crise muito mais profunda, extensa e duradoura que as crises periféricas
que foram (mal) enfrentadas pelos governos paleoliberais, na década de 1990.
Em minha modesta opinião, a superação da crise atual impõe o aprofundamento e
o alargamento das experiências progressistas recentes, não o retrocesso ao
paleoliberalismo, que enfraqueceu nossas economias, manteve ou aprofundou nossa
exclusão social e perseverou, em muitos casos, no alijamento dos setores
populares dos sistemas políticos.
Antonio Ledezma e Leopoldo López foram presos devido a ordens
judiciais que os acusavam, com provas, de terem incentivado a violência das
guarimbas e participado da tentativa de golpe de
Estado.
Rede Popular – O governo da Venezuela é tratado como de “esquerda
radical”, em contraponto a governos como do Peru e Uruguai, tratados como
moderados. Essa distinção é real ou os governos são diferentes apenas por razões
conjunturais?
Marcelo Zero – Fazer uma contraposição entre “esquerda
radical” e governos moderados me parece demasiadamente simplista.
A bem da verdade, as diferenças entre essas distintas experiências passam por
fatores estruturais das sociedades que as abrigam.
No caso específico da Venezuela, a experiência chavista não pode ser
dissociada da experiência profundamente autoritária e excludente da era
pré-Chávez.
Do ponto de vista social, as desigualdades eram simplesmente assombrosas.
De fato, é assombroso que, antes do governo bolivariano, a Venezuela, um país
com uma das maiores reservas de óleo do mundo, tinha 70% de sua população abaixo
da linha da pobreza e 40% do seu povo na pobreza extrema. Isso diz tudo sobre os
governos anteriores.
Antes do governo de Chávez, em 1998, 21% da população estavam subnutridos. É
isso mesmo. No país que, como Celso Furtado escreveu em 1974, tinha tudo para se
tornar a primeira nação latino-americana realmente desenvolvida, 1 em cada 5
habitantes passava fome. Essa era a Venezuela dos Capriles e da “oposição
democrática”.
Hoje, a desnutrição é de apenas 5%, e a desnutrição infantil 2,9%. Méritos ao
chavismo.
Hugo Chávez – Ex-presidente da Venezuela
Do ponto de vista político, o principal mérito de Chávez foi ter implodido o
conservador e excludente modelo político venezuelano, baseado no Pacto de Punto
Fijo. Mediante tal pacto, os dois principais partidos conservadores da
Venezuela, o COPEI e a URD, se revezavam no poder, sem dar chance a novas forças
políticas e aos anseios da maioria da população excluída. Essa era a
“democracia” da Venezuela. Essa era a “alternância de poder” pré-Chávez.
Os historiadores comparam o Pacto de Punto Fijo à Política do
“café-com-leite” da República Velha brasileira: por trás de uma fachada de
democracia, escondeu-se um sistema oligárquico. Avalia-se que cerca de 50% da
população terá sido excluída do exercício do voto desde os anos 60. O sistema
eleitoral era excludente, diante de artimanhas diversas (o voto era obrigatório,
mas o registro eleitoral era facultativo e, na prática, muito dificuldade à
população de baixa renda; os cartórios eleitorais se concentravam nas zonas
prósperas do país e não eram facilmente alcançados pelos mais pobres; as zonas
eleitorais eram remanejadas segundo cálculos eleitorais do governo de turno). O
federalismo venezuelano foi profundamente autoritário, cabendo ao Presidente da
República nomear todos os governadores e prefeitos biônicos, muitos dos quais
hoje militam na oposição venezuelana. Apenas em 1989 foram realizadas as
primeiras eleições para prefeitos e governadores.
Assim sendo, a implantação de quaisquer experiências minimamente
progressistas na Venezuela impunha uma ruptura política e institucional de
monta. O mesmo pode ser dito da Bolívia.
No Brasil, na Argentina e no Uruguai, isso não foi necessário, embora, em
perspectiva histórica, possa se afirmar que, no caso brasileiro, o continuísmo
do modelo político impôs pesadas restrições à experiência progressista no
Brasil.
Rede Popular – O governo Maduro é acusado de manter opositores do
chavismo presos de modo arbitrário. O sr concorda?
Nicolás Maduro – Presidente da Venezuela
Marcelo Zero – Afirma-se que a Venezuela vive uma cruel
ditadura, na qual não há liberdade de expressão e de comunicação. Se disse
também que Leopoldo López e Antonio Ledezma, líderes da oposição Venezuela na
radical, são democratas perseguidos pelos simples fato de serem de oposição.
Afirmou-se que o processo conhecido como “la salida” é inteiramente pacífico e
se desenvolve dentro dos marcos constitucionais e legais da Venezuela. Não é
verdade.
Por exemplo, tomamos conhecimento que, das 43 vítimas fatais dos protestos
promovidos pela oposição venezuelana, a maioria é de gente que não tem coloração
política e de chavistas. Entre os mortos, há seis membros das forças de
segurança da Venezuela. Alguns desses foram mortos com tiros na cabeça
disparados por franco-atiradores.
Há também motoqueiros que foram mortos, degolados, pelo arame farpado
colocado, de forma irresponsável, pelos “guarimbeiros” da oposição. Pelo menos
um dos mortos faleceu pelo uso incorreto de morteiros que seriam disparados
contra as forças de seguranças.
Há fotos e vídeos claros de “guarimbeiros” portando armas de fogo e até mesmo
fuzis de grosso calibre.
Nos conflitos, houve dezenas de ônibus do transporte público da Venezuela
incendiados. Prédios dos distintos poderes da Venezuela, inclusive o do Mistério
Público da Venezuela, foram também incendiados pelos “guarimbeiros”. Até mesmo
escolas, universidades e ambulâncias não escaparam da fúria da “guarimba”.
Também foi claramente identificada uma nova tentativa de golpe de Estado na
Venezuela. A chamada Operação Jericó, que pretendia, em fevereiro deste ano que
passou, tomar o poder utilizando-se, inclusive, de aviões para bombardear alguns
alvos em Caracas. Segundo a justiça venezuelana, Antonio Ledezma, atual prefeito
de Caracas, teria participado da articulação desse malogrado golpe.
Portanto, dizer que tais protestos foram pacíficos e que se deram dentro dos
“marcos legais” da Venezuela é simplesmente uma deslavada mentira.
Antonio Ledezma e Leopoldo López
Foi nesse contexto que Antonio Ledezma e Leopoldo López foram presos devido a
ordens judiciais que os acusavam, com provas, de terem incentivado a violência
das guarimbas e participado da tentativa de golpe de Estado.
Rede Popular – A esquerda latino-americana conseguiu construir um
modelo político-econômico alternativo ao neoliberalismo? Existe um governo de
esquerda no continente que pode ser tomado como exemplo?
Marcelo Zero – Não, não há um modelo político e econômico
acabado. Tampouco há uma teorização consistente sobre esse processo histórico
recente. O que há são experiências convergentes, mas diferentes, que se
desenvolvem em sociedades distintas.
Entretanto, todas elas, em maior ou menor grau, se constituem em alternativas
incipientes ao modelo neoliberal.
Essas alternativas vinham “funcionando” bem, até o recrudescimento recente da
crise mundial e seus efeitos nocivos nos países emergentes.
Mas elas ainda podem voltar a produzir bons resultados. A volta ao
neoliberalismo ou paleoliberalismo não é um destino histórico. Tudo vai depender
da resposta à crise política e econômica.
Entretanto, mesmo no caso de retrocessos políticos, como o ocorrido na
Argentina, duvido que a população, agora mais exigente e reivindicadora, vá
aceitar facilmente regressões em seus direitos e conquistas.
“O México se incorporou ao “trem da História” no vagão da
terceira classe destinado aos provedores de mão de obra barata e legislação
ambiental flexível. Querem o mesmo destino glorioso para o
Brasil.”
Rede Popular – A presidenta Dilma é acusada de
adotar no segundo mandato política econômica ortodoxa (direita) porque a
política econômica desenvolvimentista (esquerda) do primeiro mandato deu errado.
O que Sr acha disso?
Marcelo Zero – Não, não acho. A política anticíclica adotada
por Dilma em seu primeiro mandato vinha funcionando razoavelmente e estava
evitando que a crise atingisse a população, principalmente seus setores menos
favorecidos.

A distribuição de renda continuou, e foi no governo
Dilma Rousseff que saímos do Mapa da Fome da FAO e que praticamente eliminamos a
pobreza extrema.
Ao final de 2014, lembre-se, apresentávamos as mais baixas taxas de
desemprego dos nossos registros históricos, apesar do crescimento reduzido.
Contudo, quando iniciamos a campanha eleitoral, vivíamos num mundo. Terminada
a campanha, o mundo era outro. O superciclo das commodities encerrou-se e os
preços de nossas exportações colapsaram.
A crise, que antes afetava mais intensamente os países desenvolvidos, passou
a se abater também, e pesadamente, sobre os países emergentes. Trata-se,
insisto, de uma crise verdadeiramente mundial, cuja profundidade, extensão e
duração superam em muito as dimensões das crises periféricas que enfrentamos ao
longo da década de 1990.
A esse cenário mundial extremamente adverso, somou-se a grande seca de 2014,
que já vinha castigando o semiárido havia 4 anos, e que passou a impactar o
Sudeste, aumentando os preços da energia. Mais recentemente, ocorreram os
efeitos econômicos negativos da Lava Jato, operação imprescindível para ajudar a
refundar as relações entre o sistema político e o poder econômico, mas cujo
impacto econômico imediato comprometeu investimentos na cadeia de gás e petróleo
e na indústria de construção civil pesada, ocasionando prejuízos que ascendem a
pelo menos 2% do PIB, de acordo com avaliações de institutos independentes.
Todos esses fatores combinados esgotaram nossa capacidade de absorver os
impactos externos da grande crise internacional.
Uma correção de rumos tornou-se inevitável.
Não obstante, o ajuste fiscal regressivo realizado mostrou-se equivocado e só
agravou nossos gargalos financeiros, fazendo cair a receita num ritmo mais
acelerado que o da redução de gastos.
A recente mudança no Ministério da Fazenda pode significar mudança para
melhor na política econômica, com a recuperação de seus vetores anticíclicos e
distributivos.
Em minha opinião, dados os constrangimentos externos, só conseguiremos sair
da crise com uma nova dinamização de nosso mercado interno. Novos esforços
exportadores serão positivos, mas isoladamente não produzirão efeitos de monta.
Rede Popular – O que o Sr acha da posição do
presidente da Argentina, Maurício Macri, em relação à participação da Venezuela
no MERCOSUL?
Marcelo Zero – Lamentável. Trata-se, sobretudo, de falta de
visão estratégica.
Os conservadores da região sempre se opuseram à entrada da Venezuela no
MERCOSUL por razões puramente ideológicas.
Maurício Macri – novo presidente da Argentina
A adesão da Venezuela ao MERCOSUL veio com a ratificação do “Protocolo de
Adesão da Venezuela ao MERCOSUL”, um acordo internacional. Ora, é necessário
considerar, em primeiro lugar, que acordos internacionais são celebrados por
Estados com fundamento em seus interesses de longo prazo. Nesse processo de
natureza estratégica e diplomática, governos são circunstanciais. Os
compromissos de política externa constituem-se, por definição, em compromissos
de países. Portanto, quem aderiu ao MERCOSUL não é o atual governo venezuelano,
mas sim a Venezuela, país vizinho com o qual o Brasil sempre manteve boas
relações, hoje profundamente adensadas.
A Venezuela já é um dos principais parceiros comerciais e de investimentos do
Brasil na região. O mesmo ocorre em sua relação com a Argentina. Não é do
interesse estratégico de nossos países que a Venezuela saia do MERCOSUL.
Ademais, querer retirar a Venezuela do MERCOSUL alegando a quebra da ordem
democrática prevista no Protocolo de Ushuaia é simplesmente ridículo.
A oposição venezuelana acaba de ganhar as eleições legislativas, num pleito
inteiramente livre e transparente, como todos os outros ocorridos na Venezuela
chavista.
A Venezuela é hoje um país muito mais democrático do que era na era
pré-Chávez.
Rede Popular – A eleição do direitista Maurício Macri para presidente
da Argentina e a derrota do chavismo nas querelas parlamentares da Venezuela são
indicativos de que teremos uma retomada neoliberal na América Latina?
Marcelo Zero – Há, sim, uma onda conservadora na região, que
se aproveita dos impasses gerados pela crise. Mas, como já afirmei, tal retomada
não é um destino histórico. Tudo dependerá da resposta à crise e da capacidade
de articular as resistências a partir dessa resposta. Evidentemente, respostas
conservadoras e regressivas apenas fragilizam ainda mais governos progressistas.
Rede Popular – Quais serão os impactos políticos e econômicos
imediatos na latino-américa de uma vitória republicana na disputa pela Casa
Branca em 2016?
Marcelo Zero – Não creio que haveria mudanças
substantivas.Ao contrário das expectativas geradas durante sua primeira campanha
eleitoral, a política externa de Obama persistiu nas mesmas diretrizes básicas e
nos mesmos erros da política externa republicana, principalmente no que tange ao
Oriente Médio.
Embora tenha retirado tropas do Iraque, Obama apoiou a invasão da Líbia e as
intervenções na Síria. Foi na sua gestão que o Estado Islâmico foi cevado com
apoio financeiro e político.
Em relação à América Latina, não houve mudanças significativas. A
administração norte-americana continua apostando na segmentação dos países da
região e propugnando por acordos de livre comércio bilaterais, nocivos à
integração da América do Sul e ao protagonismo brasileiro no subcontinente.
As diferenças entre republicanos e democratas nessa área são mais de estilo e
formais do que propriamente de conteúdo das políticas.
“Retirando da Petrobras a condição de operadora do pré-sal, o
Brasil se transformaria, dessa forma, no país que não tem cadeia do petróleo,
não tem produção nacional e não tem futuro.”
Rede Popular – As esquerdas latino-americanas passaram a se articular
de modo supranacional a partir da queda do Muro de Berlim, o professor vê as
direitas locais se articulando de modo parecido nos últimos anos?
Marcelo Zero – Como afirmei, há, sim, uma onda conservadora
na região, que se nutre da crise das experiências progressistas.
As direitas locais, na realidade, sempre se articularam. A Operação Condor,
que articulou a repressão em nível regional nos anos 1970, é um exemplo claro
disso.
Mais recentemente, o Senado brasileiro enviou Comissão Externa à Venezuela
para se encontrar exclusivamente com a oposição de direita venezuelana. Outro
exemplo, desta vez malsucedido.
Herbert Marcuse certa feita afirmou que as direitas eram sempre muito
homogêneas e unidas, pois tinham interesses comuns a defender. Já as esquerdas
tendiam a mostrar desunião, pois tinham ideias diferentes a propor.
O capital está sempre articulado, regional e internacionalmente.
Rede Popular – A relação política das direitas locais brasileiras com
o capital estrangeiro coloca em risco a soberania nacional e riquezas como o
Pré-Sal?
Marcelo Zero – Sem dúvida. O programa da direita brasileira
está mais ou menos resumido no documento “Uma Ponte para o Futuro”, do PMDB.
Trata-se, a bem da verdade, de “uma pinguela para o passado”. Uma pinguela
desenhada com régua e esquadro do capital estrangeiro.
Voltou, com grande força, a agenda destrutiva do Estado Mínimo, ensejada pela
“necessidade” da contenção de gastos e do “equilíbrio fiscal”.
No que tange à (des)proteção social, pretende-se “regulamentar a
terceirização”, inclusive em atividades-fim, forma perversa e sub-reptícia de
burlar e corroer a proteção trabalhista herdada dos tempos de Getúlio Vargas.
Com isso, o Brasil poderá regredir livremente aos tempos da República Velha,
quando a incômoda questão social era simples caso de polícia.
Outra pauta conservadora é o fim do MERCOSUL, que é o que efetivamente se
propõe quando se fala em “acabar com a união aduaneira”. Querem acabar com esse
bloco sob o pretexto esfarrapado de que ele impede o Brasil de se integrar às
“cadeias produtivas globais”.
Ora, o Brasil já faz parte, há muito tempo, das cadeias globais de produção,
na incômoda condição básica de exportador de produtos primários. Mas não por
culpa do MERCOSUL. Ao contrário, é esse bloco e a integração regional como um
todo que vêm salvando a nossa combalida indústria. Entre 2009 e 2014, já em
plena crise, a Associação Latino-americana de Importação (ALADI), que inclui o
MERCOSUL, absorveu mais exportações brasileiras de manufaturados que todos os
países desenvolvidos somados. Para o MERCOSUL, nossas exportações estão
concentradas em 92% em bens industrializados, e com grande superávit a nosso
favor.
O que se quer, na realidade, com essa conversa tola, é ressuscitar o finado
projeto da ALCA, mediante acordos bilaterais de livre comércio. Acham que essa
ALCA bilateralizada elevaria o patamar econômico do Brasil. Engano crasso e
parvo. Que o diga o México, país plenamente integrado às cadeias produtivas
globais, campeão mundial na celebração de acordos de livre comércio, mas que
tem, hoje, cerca de 50% de sua população abaixo da linha da pobreza, não tem
indústria real significativa além das “maquilas”, e que é totalmente incapaz de
produzir inovação tecnológica. É incapaz até de se alimentar sozinho. O México
importa atualmente dos EUA até mesmo o milho, base da sua culinária.
O México se incorporou ao “trem da História” no vagão da terceira classe
destinado aos provedores de mão de obra barata e legislação ambiental flexível.
Querem o mesmo destino glorioso para o Brasil.
Também desejam, aliás, o mesmo destino glorioso para a Petrobras, quebrada
pelo insustentável “fardo” de 176 bilhões de barris de petróleo, de acordo com
última estimativa para o pré-sal do Instituto Nacional de Óleo e Gás da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Almejam que tal fardo seja
transferido para a Chevron e outras grandes multinacionais, as quais, em
louvável ato de altruísmo, o assumiriam com indisfarçável prazer. Retirando da
Petrobras a condição de operadora do pré-sal, com o tempo ela se transformaria
numa espécie de NNPC, a empresa nigeriana do petróleo que não produz, não
controla e não supervisiona. E o Brasil se transformaria, dessa forma, no país
que não tem cadeia do petróleo, não tem produção nacional e não tem futuro.
http://www.brasil247.com/pt/247/poder/211811/'A-esquerda-reduziu-a-pobreza-na-América-Latina'.htm