Rev. Sandro Amadeu Cerveira
Talvez eu tenha falhado como pastor nestas eleições. Digo isso porque estou
com a impressão de ter feito pouco para desconstruir ou no pelo menos
problematizar a onda de boataria e os posicionamentos “ungidos” de alguns
caciques evangélicos. [1]
Talvez o mais grotesco tenham sido os e-mails e “vídeos” afirmando que votar
em Dilma e no PT seria o mesmo que apoiar uma conspiração que mataria Dilma
(por meios sobrenaturais) assim que fosse eleita e logo a seguir implantaria
no Brasil uma ditadura comunista-luciferiana pelas mãos do filho de Michel
Temer. Em outras o próprio Temer seria o satanista mor. Confesso que não
respondi publicamente esse tipo de mensagem por acreditar que tamanha
absurdo seria rejeitada pelo bom senso de meus irmãos evangélicos. Para além
da “viagem” do conteúdo a absoluta falta de fontes e provas para estas
“notícias” deveria ter levado (acreditei) as pessoas de boa fé a pelo menos
desconfiar destas graves acusações infundadas. [2]
A candidata Marina Silva, uma evangélica da Assembléia de Deus, até onde se
sabe sem qualquer mancha em sua biografia, também não saiu ilesa. Várias
denominações evangélicas antes fervorosas defensoras de um “candidato
evangélico” a presidência da república simplesmente ignoraram esta
assembleiana de longa data.
Como se não bastasse, Marina foi também acusada pelo pastor Silas Malafaia
de ser “dissimulada”, “pior do que o ímpio” e defender, (segundo ele), um
plebiscito sobre o aborto. Surpreende como um líder da inteligência de
Malafaia declare seu apoio a Marina em um dia, mude de voto três dias depois
e à apenas 6 dias das eleições desconheça as proposições de sua irmã na fé.
De fato Marina Silva afirmou (desde cedo na campanha, diga-se de passagem)
que “casos de alta complexidade cultural, moral, social e espiritual como
esses, (aborto e maconha) deveriam ser debatidos pela sociedade na forma de
plebiscito” [3], mas de fato não disse que uma vez eleita ela convocaria
esse plebiscito.
O mais surpreendentemente, porém foi o absoluto silêncio quanto ao candidato
José Serra. O candidato tucano foi curiosamente poupado. Somente a campanha
adversária lembrou que foi ele, Serra a trazer o aborto para dentro do
Sistema Único de Saúde (SUS) [4]. Enquanto ministro da saúde o candidato do
PSDB assinou em 1998 a norma técnica do SUS ordenando regras para fazer
abortos previstos em lei, até o 5º mês de gravidez [5]. Fiquei intrigado que
nenhum colega pastor absolutamente contra o aborto tenha se dignado a me
avisar desta “barbaridade”.
Também foi de estranhar que nenhum pastor preocupado com a legalização das
drogas tenha disparado uma enxurrada de-mails alertando os evangélicos de
que o presidente de honra do PSDB, e ex-presidente da República Fernando
Henrique Cardoso defenda a descriminalização da posse de maconha para o
consumo pessoal [6].
Por fim nem Malafaia, nem os boateiros de plantão tiveram interesse em dar
visibilidade a noticia veiculada pelo jornal a Folha de São Paulo (Edição
eletrônica de 21/06/10) nos alertando para o fato de que “O candidato do
PSDB à Presidência, José Serra, afirmou nesta segunda-feira ser a favor da
união civil e da adoção de crianças por casais homossexuais.” [7]
Depois de tudo isso é razoável desconfiar que o problema não esteja
realmente na posição que os candidatos tenham sobre o aborto, união civil e
adoção de crianças por homossexuais ou ainda a descriminalização da maconha.
Se o problema fosse realmente o comprometimento dos candidatos e seus
partidos com as questões acima os líderes evangélicos que abominam estas
propostas não teriam alternativa.
A única postura coerente seria então pregar o voto nulo, branco ou ainda a
ausência justificada. Se tivessem realmente a coragem que aparentam em suas
bravatas televisivas deveriam convocar um boicote às eleições. Um gigantesco
protesto a-partidário denunciando o fato de que nenhum dos candidatos com
chances de ser eleitos tenha realmente se comprometido de forma clara e
inequívoca com os valores evangélicos. Fazer uma denuncia seletiva de quem
esta comprometido com a “iniqüidade” é, no mínimo, desonesto.
Falar mal de candidato A e beneficiar B por tabela (sendo que B está
igualmente comprometido com os mesmo “problemas”) é muito fácil. Difícil é
se arriscar num ato conseqüente de desobediência civil como fez Luther King
quando entendeu que as leis de seu país eram iníquas.
Termino dizendo que não deixarei de votar nestas eleições.
Não o farei por ter alguma esperança de que o Estado brasileiro transforme
nossos costumes e percepções morais em lei criminalizando o que consideramos
pecado. Aliás tenho verdadeiro pavor de abrir esse precedente.
Não o farei porque acredite que a pessoa em quem votarei seja católica,
cristã ou evangélica e isso vá “abençoar” o Brasil. Sei, como lembrou o
apóstolo Paulo, que se agisse assim teria de sair do mundo.
Votarei consciente de que os temas aqui mencionados (união civil de pessoas
do mesmo sexo, descriminalização do aborto, descriminalização de algumas
drogas entre outras polêmicas) não serão resolvidos pelo presidente ou
presidenta da república. Como qualquer pessoa informada sobre o tema, sei
que assuntos assim devem ser discutidos pela sociedade civil, pelo
legislativo e eventualmente pelo judiciário (como foi o caso da lei de
biossegurança) [8] com serenidade e racionalidade.
Votarei na pessoa que acredito representa o melhor projeto político para o
Brasil levando em conta outras questões (aparentemente esquecidas pelos
lideres evangélicos presentes na mídia) tais como distribuição de renda,
justiça social, direitos humanos, tratamento digno para os profissionais da
educação, entre outros temas. (Ver Mateus 25: 31-46) Estas questões até
podem não interessar aos líderes evangélicos e cristãos em geral que já
ascenderam à classe média alta, mas certamente tem toda a relevância para
nossos irmãos mais pobres.
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