Rio de Janeiro - RJ
Regulamentar
a ação de empresas de tecnologia no Brasil para impedir a prática de
crimes digitais é uma das prioridades do Ministério da Justiça e
Segurança Pública, comandado pelo ex-governador do Maranhão Flávio Dino.
A pasta hoje conta com uma assessoria especial voltada para Direitos
Digitais que tem se articulado para atualizar a legislação brasileira.
“Mudança
climática é gravíssima, corrida armamentista é gravíssima. Mas, para
mim, a maior ameaça que está hoje na esquina da humanidade é esse abuso
geral em relação a essas tecnologias”, destacou o ministro Flávio Dino,
em entrevista exclusiva concedida à Lupa.
Uma das medidas defendidas pelo ministro para impedir esses abusos é a aprovação do PL 2.630/2020,
apelidado de “PL das Fake News”. A expectativa de Dino é que, com o
retorno das atividades do Congresso nesta semana, e um clima melhor no
parlamento, o projeto volte à pauta para ser votado.
“O
Projeto de Lei 2.630 é um imperativo histórico. Não significa dizer que
ele deva ser aprovado em todos os seus termos ou exatamente tal como se
encontra. O que eu me refiro é que é fundamental, imprescindível,
urgente que ele seja votado. Ou seja, que o Brasil atualize a sua
legislação”, destacou.
Na
entrevista, Dino também falou sobre o papel do Ministério da Justiça no
monitoramento de crimes na internet para evitar novos ataques à
democracia e frisou que movimentos coordenados de desinformação na
internet, como
aconteceu na última semana, após a divulgação dos avanços na
investigação da morte da ex-vereadora Marielle Franco e do motorista
Anderson Gomes, vão ser investigados.
“As
pessoas vão dizer que é censura, que é a ditadura, mas eu estou só
cumprindo a lei. Quem viola o código penal na rua ou na rede, tem que
ser punido. É lei. Esse é meu papel”, afirmou.
Confira os principais trechos da entrevista do ministro Flávio Dino à Lupa:
O
PL 2.630 foi retirado de pauta em maio por causa da resistência de
muitos deputados na Câmara. Desde então, o relator Orlando Silva e
membros do governo, inclusive o senhor, têm dialogado com parlamentares
sobre o projeto. O senhor tem esperança que esse texto seja votado na
Câmara? Acredita que os impasses foram superados?
O
Projeto de Lei 2.630 é um imperativo histórico. Não significa dizer que
ele deva ser aprovado em todos os seus termos ou exatamente tal como se
encontra. O que eu me refiro é que é fundamental, imprescindível,
urgente que ele seja votado. Ou seja, que o Brasil atualize a sua
legislação. Acredito que essa leitura vá se tornar progressivamente
majoritária na sociedade e, por conseguinte, também nas casas
parlamentares.
Nós
tivemos um primeiro semestre com muitas dificuldades. Algumas derivadas
do 8 de janeiro, outras derivadas de um intenso conflito político,
normal do início de um novo governo. [Houve ainda] a formação de uma
base parlamentar — posteriormente o foco em pautas econômicas,
notadamente o arcabouço e a reforma tributária.
Quando
essas pautas fenecerem, agora com a retomada em agosto, acho, sim, que
se abre uma janela importante que deve ser aproveitada para temas de
natureza institucional, inclusive esse, de uma lei brasileira de combate
à desinformação.
Para
a Lupa, o deputado Orlando Silva falou que o projeto vai voltar para a
pauta com a definição de quem terá a responsabilidade de fiscalizar a
internet. Há alguns dias, falou-se que o governo quer que esse trabalho
seja da CGU. Na opinião do senhor, qual é o melhor modelo de
fiscalização para a lei?
É
fundamental acentuar que nós não vamos ter no Brasil uma entidade
governamental para fiscalizar o que cada pessoa posta na internet. Na
verdade, se cuida de um sistema para fiscalizar os procedimentos das
plataformas quando elas não cumprem os seus deveres jurídicos —
relativos à emissão de relatórios de transparência, deveres de cuidado,
análise de risco e assim sucessivamente, além dos casos em que
fundamentadamente se identifica a violação de regra jurídicas por
intermédio do mau uso das plataformas. Então não haverá uma fiscalização
universal, uma espécie de “Big Brother” da internet.
O
segundo ponto a ser acentuado é que nem vai haver nenhum sistema de
censura, nem o governo quer exercer sozinho esse papel de instância
fiscalizadora das plataformas. O Congresso Nacional tem se debruçado
sobre vários modelos.
Tenho
frisado que o modelo híbrido é um que me agrada particularmente
bastante. Híbrido no sentido de envolver vários poderes do Estado e a
sociedade civil. Então, acho que você terá, sim, um locus, ou seja, um
órgão de governo, um órgão de Estado liderando, e aí há várias versões,
mas com ampla participação social e controle judicial de modo a
preservar a liberdade. Acho que o deputado Orlando vai caminhar nessa
direção.
Caso o PL não avance na Câmara, que outras formas de regulação o governo pretende buscar? O STF poderia fazer isso?
Em
qualquer tema que nós venhamos a tratar, sempre haverá incidência de
múltiplas regulamentações. É da natureza da própria conformação do
direito, sociedades contemporâneas, que você tenha várias fontes de
normatividade. O presidente Lula tem, por exemplo, acentuado a
importância de regulações supranacionais. Isso, em algum momento,
ocorrerá, porque nós temos assuntos que não podem ser versados ou
deslindados apenas por um único país. Por exemplo: mudanças climáticas,
guerras, corrida armamentista, desinformação via internet.
Além
disso, nós temos legitimadas pela Constituição outras duas fontes
normativas. Nós temos, sem dúvida, primacialmente Congresso Nacional,
parlamento, Poder Legislativo, mas temos outras duas fontes normativas.
Uma você já alude, o próprio Poder Judiciário mediante o julgamento de
Ações Diretas de Inconstitucionalidade versando sobre o Marco Civil na
Internet e, portanto, atualizando ou reinterpretando e fixando com
efeito vinculante qual a aplicação mais adequada dessa lei que existe no
Brasil. E nós temos, por último, a terceira fonte normativa, que é a
própria atuação do Poder Executivo. Vimos isso no tema relativo à
violência contra escolas e nós temos também apoiado e participado de uma
intensa atividade de auto-regulamentação das plataformas.
Nós
queremos que haja uma lei, agora isso não exclui a múltipla incidência
de várias atividades, inclusive das próprias empresas e dos outros
poderes do Estado.
Um
dos fatores que prejudicou o debate sobre o PL 2.630 foi a disputa de
narrativas, principalmente nas redes sociais, entre governistas e
oposição, e que se reduziu entre censura e não censura. Nesse sentido,
diversos estudos apontam que a oposição ganhou esse debate digital, e
não só esse, mas como vários outros que são feitos nas redes. É preciso
melhorar a forma da base do governo se comunicar? O que falta para fazer
uma disputa mais equilibrada nas redes?
Sempre
é um desafio, não existe perfeição em nenhuma atividade humana. Eu
mesmo procuro, a cada dia, com a nossa equipe aqui no Ministério da
Justiça, melhorar a nossa atuação, a forma, adequar às exigências
contemporâneas. Vejo também esse debate organizado no governo. Agora, é
evidente, nós temos uma dificuldade maior quando um tema mais complexo é
traduzido apenas em slogans — porque essa extrema-direita é, além de
tudo, despudorada, ou seja, ela atua de modo muito desavergonhado.
Então, na época [da votação do PL 2.630], se dizia que o projeto iria censurar a Bíblia, que iria impedir a leitura do Antigo Testamento.
Então,
são, assim, coisas bizarras que transitam muito rapidamente,
infelizmente. E nós tentamos, naturalmente, contrapor ou contrastar
mentira com indicadores verdadeiros, que acentuem ou realcem o absurdo
desses discursos. Não é uma atividade fácil, não é simples, mas nós não
podemos incidir no mesmo erro dessa gente — um erro ético, eu diria.
Então nós temos que atuar segundo os nossos princípios, a busca da
verdade, mostrar que são coisas absurdas. E essa derrota, vamos chamar
assim, momentânea, num certo momento nas redes sociais, serve de acúmulo
para mais adiante a gente conseguir ter a hegemonia da verdade e, com
isso, legitimar uma saída no âmbito dos Três Poderes do Estado.
Para
o senhor, essa derrota no debate digital, principalmente no caso do PL
2.630, influenciou o debate dentro da Câmara? Poderia ter sido
diferente?
Acho
que mais importante do que essas coisas bizarras que foram difundidas
foi a atitude das próprias plataformas. Acho que isso foi decisivo. Ou
seja, nós tivemos uma militância muito aguerrida, muito inusitada, eu
diria — ultrapassando, inclusive, fronteiras legais por parte dessas
plataformas —, e isso acabou influenciando. Veja que, no ambiente em que
nós operamos, até mesmo a maioria conquistada pelo discurso de ódio, de
desinformação — não estou afirmando, mas — pode ter sido impulsionada
pelas próprias plataformas que estavam defendendo interesses
empresariais, interesses comerciais.
Então,
acho que houve, naquele momento, uma conjunção de fatores.
Parlamentares que foram conquistados por esses discursos absurdos sobre a
Bíblia, outros que foram influenciados pelo poder econômico das
plataformas atuando de modo também bastante contundente, anômalo. E
também essa questão da maioria quantitativa, eu diria, na circulação de
ideias nas plataformas naqueles dias.
Vamos
perseverar, corrigir aspectos do projeto, para formar a maioria
parlamentar. O deputado Orlando tem cuidado disso. E, ao mesmo tempo, há
temas que você tem que passar por um processo de acúmulo da formação de
opinião na sociedade. Há mudanças fundamentais no Brasil que demoraram
décadas. Acredito que esta não irá demorar décadas, mas, com certeza,
alguns meses ainda vamos consumir em torno disso.
Flávio Dino, ministro da Justiça e da Segurança Pública
O
senhor é uma vítima constante de conteúdos falsos. A Lupa recentemente
desmentiu uma publicação que informava sua participação na Parada LGBTQIA+ de São Paulo.
Muita gente criticou o episódio dizendo que era um meme, viu como uma
brincadeira, mas e o senhor? E por que desmentir fakes como essa é
importante?
Na
verdade, ali, em outras postagens, não há esse intento humorístico.
Essa gente não serve nem para fazer humor. Essa gente é violenta, é
odienta, é hedionda, é agressiva, é baixa, é abjeta, é vil. Então, se
fosse uma coisa humorística, claro que não me importaria, mas não era.
Na verdade, faz parte de um ecossistema de divulgação de ódio.
Eles
já disseram que eu estava reunido com traficantes, que matei gente, que
sou envolvido com roubo de carga. Então, eles tentaram compor ali uma
coisa que poderia ser até normal — se um ministro ou uma autoridade do
governo participasse de um evento público, não tem nada demais nisso —, e
se eventualmente houvesse um propósito de humor muito menos teria
qualquer lesividade. Mas não é isso.
Essa
gente, repito, não presta nem para fazer humor. É uma gente do mal que
faz essas coisas. E eles fazem exatamente para poder tentar fazer
prevalecer o seu exótico ideário, é uma gente despótica. Fazem isso o
tempo inteiro. Eu convivo com isso, infelizmente, de um modo muito
concentrado. Nunca tinha visto coisa igual, nunca tinha vivido coisa
igual. Fui governador, fui deputado federal, fui juiz. Nessa escala, eu
nunca vi. Uma escala industrial de produção de ataques, todos os dias.
Todos
os dias eles inventam algum tema esdrúxulo de uma reunião que eu não
fui, de um evento que não houve, de um processo que eu não respondi,
eles inventam. Então, nós lutamos muito contra isso todos os dias e faz
parte do ethos desse pessoal que acha que o poder vale qualquer coisa.
Eles buscam desumanizar as pessoas, destruir, atropelar, vilipendiar,
emparedar. Agora comigo não conseguem, né? Na verdade, até tenho uma
grande capacidade de resistir. Cansa, não é uma coisa confortável e isso
se traduz em violência nas ruas.
Isso
que a gente vê de agressão física, espaço público, eu sofro. Esse ano,
mais de 10 [vezes] em local público. Isso vem da onde? Dessa atitude na
internet. E a pessoa vai ficando com ódio, a pessoa te vê dentro de um
avião, no shopping, numa loja, te vê num local comum. E a pessoa te olha
com ódio, como se eu fosse uma espécie de vilão de filme da Netflix. De
onde vem isso? Vem dessas coisas da internet. Por isso que é uma gente
perigosa.
Essa
gente mata. Essa gente tem a mão suja de sangue, é uma gente criminosa.
Porque é essa gente que instiga ataques contra escolas, que instiga
automutilação de adolescente, que instiga suicídio de adolescente. Por
isso, é muito importante, do ponto de vista civilizacional, que a gente
atualize a lei brasileira.
O
anúncio de avanços na investigação sobre a morte da ex-vereadora
Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes veio seguido do
compartilhamento, na internet, de antigas informações falsas envolvendo
outros crimes, como o assassinato do ex-prefeito Celso Daniel. Isso, em
questão de horas. O senhor acredita que existe um movimento coordenado?
Isso pode vir a ser investigado?
Pode
e deve ser investigado. No caso da Marielle, houve dois assassinatos:
um físico e um moral. O que fizeram com a vereadora Marielle nos dias
subsequentes é realmente um massacre contra a imagem dela — inclusive
com a participação de pessoas do mundo institucional, notadamente no
Poder Judiciário. Então, isso é razoável? Ter uma família chorando um
brutal assassinato e ainda nos dias seguintes conviver com uma tentativa
vil, execrável, de transformar a vítima em algoz?
E
esses anos todos isso acontece. Na segunda-feira [24 de julho, dia do
anúncio do avanço nas investigações do caso], eu me surpreendi porque
dei a entrevista coletiva e depois sentei aqui nesta cadeira. Menos de
uma hora [depois], a internet estava repleta de invencionices, inclusive
essas tentativas de desviar o foco. Isso é um processo fordista
industrial, não tem chance de isso ser espontâneo com essa velocidade.
E, sim, nós estamos o tempo inteiro aprimorando os sistemas de controle
criminal.
Sem
dúvida, é uma tendência, porque isso não é piada, não é luta política
legítima. Nós temos que entender isso, isso é reprovável. Isso é ilegal.
Isso é criminoso. E por isso é importante, é fundamental, que o Estado
atue contra isso.
O
governo federal se elegeu prometendo combater a desinformação. Passados
alguns meses, qual é hoje a estratégia de combate à desinformação?
Aqui
no Ministério da Justiça, me cabe a parte mais criminal, de violação da
lei, e o debate sobre novas leis. Então, nesse aspecto, tanto naquilo
que diz respeito à Secom, quanto no que diz respeito ao Ministério da
Justiça, eu diria que o cenário de hoje é substantivamente melhor do que
o de 2 de janeiro. Inclusive porque, antes de nós, as pessoas que
estavam no governo eram arautos da desinformação. Eles alimentavam as
atividades criminosas, lideravam, em larga medida — basta ver o que foi
feito na pandemia.
Não
era o governo federal que dizia que era gripezinha, que o vírus não
matava? Não era o presidente da República que dizia que a vacina fazia
mal? Era. Então, já é uma mudança. O governo que está aqui hoje,
liderado pelo presidente Lula, não é amigo aliado da mentira, não é
amigo aliado da desinformação. E estamos procurando lutar contra esse
ambiente que infelizmente foi fomentado fortemente na sociedade
brasileira.
Falando
mais especificamente sobre o Ministério da Justiça, o que o senhor traz
para sua pasta no que diz respeito a ideias e estratégias contra
desinformação, da sua experiência como governador e dos ataques que
recebeu no exercício do cargo?
Essa
ideia de integração. Nós não temos a pretensão de, sozinhos, dar conta
do maior desafio que a humanidade tem hoje. Mudança climática é
gravíssima, corrida armamentista é gravíssima. Mas, para mim, a
maior ameaça que está hoje na esquina da humanidade é esse abuso geral
em relação a essas tecnologias. Que vão até onde? Nós estamos discutindo
aqui ferramentas, robôs, redes sociais, e já se forma no horizonte um
universo imprevisível de manipulações derivadas das ferramentas de
Inteligência Artificial a um patamar que nós não sabemos sequer qual é.
Se for regrado apenas pelo lucro, eu diria que o inferno é o limite.
Se
a busca desenfreada de lucro for o único parâmetro de organização desse
negócio, isto vai levar a que todos nós aqui sejamos, no futuro, vistos
como descartáveis, porque haverá supostamente um robô que julgará
melhor do que os juízes, por exemplo. Ou ferramentas que irão compor
textos, reportagens, melhor apuradas do que os próprios jornalistas.
Isto é uma contra-utopia tangível, não é algo retórico, está no
horizonte.
Este
tema tem essa densidade e não vai ser o Ministério da Justiça do Brasil
sozinho que vai dar conta. Então, a principal contribuição é alertar,
apontar, chamar atenção, pautar, como nós temos feito. É chamar os
outros agentes de Estado, o que envolve o diálogo respeitoso,
independente, porém, harmônico com o Supremo, com o Congresso e com as
outras áreas de governo.
Nós temos a professora Estela Aranha [assessora especial de Direitos Digitais da pasta]
que faz isso o tempo inteiro. Só o fato de ter esse setor no Ministério
da Justiça já mostra a primazia ou atenção especial ao tema, assim como
a criação da diretoria de Crimes Cibernéticos da Polícia Federal. Foram
duas providências que nós tomamos — eu levei ao presidente Lula ele
concordou. Nós temos essa articulação interna do governo, essa ideia de
nova legislação e a articulação com os estados. Porque quando a gente
fala de crime, nós precisamos que os estados nos ajudem.
Essa rede de laboratórios de crimes cibernéticos,
vamos ter agora a reunião da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção
e à Lavagem de Dinheiro e vamos fazer um debate específico sobre
criptomoedas, criptoativos, como isso tem mudado a configuração do mundo
da criminalidade no Brasil. Nós estamos sempre buscando essa atuação em
rede com outras agências de governo, com a sociedade e também com os
estados, para que eles sejam nossos parceiros.
2024
é um ano eleitoral, período em que circula muita desinformação que pode
impactar o voto do eleitor. Existe algum diálogo com o Congresso para
que haja uma mini-reforma eleitoral para essa ocasião?
Esse
é um dos fatores que autoriza um certo otimismo quanto à votação do PL
2.630, porque, se não houver uma lei a um ano da eleição de 2024, quem
vai regular isto vai ser o TSE, que já fez em 2022. Espero que o
Congresso faça isso. Se não fizer, com certeza as resoluções do TSE vão
fixar balizas, inclusive porque as ferramentas de mentira, de
adulteração, de violação daquilo que o direito eleitoral chama de
verdade eleitoral, estão cada vez mais sofisticadas.
Há
uma foto que se tornou icônica, a foto do Papa Francisco, com uma roupa
que não era propriamente usual, eu diria. Você olha aquela foto e não
identifica nenhuma chance daquela imagem ser falsa. Aí depois se revelou que era falso.
Agora, você imagina isso em um processo eleitoral dinâmico em 5.570
municípios, em que você pode produzir, por exemplo, à perfeição, um
candidato, qualquer que seja ele, fazendo uma coisa que ele nunca fez,
ou dizendo uma coisa que nunca disse, a 24 ou 48 horas da eleição.
O
chamado perigo da demora de uma resposta estatal é gigante, porque o
processo eleitoral tem um dinamismo. Você pode movimentar 10%, 15%, 20%
dos votos com uma fake news numa eleição municipal. Em cidades de menor
dimensão, aquilo circula em minutos pelos grupos de WhatsApp. Então,
acho que essa reflexão será feita pelo Congresso, porque,
independentemente de posições ideológicas, se tem um tema que todos os
513 deputados se preocupam é a eleição, porque todos são fruto de um
processo eleitoral e irão, normalmente, se submeter a outros. Pode ser
que esse vetor estimule, ou então caberá ao TSE novamente editar uma
resolução sobre o assunto.
O 8 de janeiro foi alimentado, sobretudo, por desinformação nas redes sociais a respeito do processo eleitoral. Como a Lupa mostrou,
essas mensagens, de teor golpista, continuam circulando nas redes
sociais, estimulando novos ataques às instituições. O governo tem
monitorado isso? O que tem sido feito para evitar que atos como o de 8
de janeiro se repitam?
No
caso do 8 de Janeiro, o governo estava virtualmente indefeso naquele
momento porque era um governo recém-instalado, nós tínhamos cinco dias
da posse. As ferramentas disponíveis, tanto no mundo material quanto no
mundo virtual, eram pouquíssimas, porque era um governo se formando.
Aqui, no Ministério da Justiça, havia pouquíssimas pessoas nomeadas no
dia 8, porque as nomeações se estenderam até o final de janeiro,
praticamente fevereiro adentro, porque há um procedimento jurídico
formal. É importante dizer isso porque tem gente que pensa que o
presidente tomou posse e no outro dia está todo mundo dentro das suas
salas. Não, não funciona rigorosamente assim, infelizmente, ainda mais
em uma transição tumultuada.
De
lá pra cá, as coisas melhoraram muito, com ferramentas adequadas,
jurídicas, de monitoramento de crimes, no geral, e isso resulta nos
procedimentos que a lei autoriza — seja na esfera cível, seja na esfera
criminal. Então, são centenas, na verdade, milhares de ações judiciais e
inquéritos policiais derivados dessas ferramentas de monitoramento de
crimes.
Sempre
digo que a pessoa pode dizer: “Eu não gosto do presidente Lula”. Ela
pode dizer: “Eu odeio o presidente Lula”. Ela pode dizer: “Não votei e
não votarei jamais no presidente Lula”. Mas ela não pode acrescentar:
“Por não gostar, por odiar, por não votar, eu vou matar o presidente
Lula”. Essa é a fronteira que nós temos estabelecido entre liberdade de
expressão e crime. Então, você chega para o seu cônjuge e diz assim: “Eu
não quero mais ficar casado ou casada com você”. Pode! Pode agredir o
cônjuge? Não, não pode. Porque é crime.
Então,
não é violação, porque não estamos tratando de liberdade de expressão,
nós estamos tratando de crime. E nesse caso dos crimes políticos, é essa
fronteira que nós temos estabelecido e resultado nesses procedimentos
legais, que estão aí aos milhares. As pessoas vão dizer que é censura,
que é a ditadura. Fazem charge comigo dizendo que sou ditador, que sou
isso, que sou aquilo, e eu estou só cumprindo a lei. Quem viola o código
penal, na rua ou na rede, tem que ser punido. É lei. Esse é meu papel.
Editado por
Fonte: https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/08/02/quem-viola-o-codigo-penal-na-rua-ou-nas-redes-tem-que-ser-punido-diz-dino
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