O envolvimento da emissora com a lavanderia de dinheiro panamenha explicaria
o recuo da força-tarefa em Curitiba?
por
Henrique
Beirangê — publicado 09/04/2016 06h03, última modificação 11/04/2016 10h54
Nelson Almeida/AFP
O juiz responsável pela Lava Jato e a Triplo X: ponto fora da curva
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Um
juiz sem juízo
A
legalidade das decisões de Moro está na berlinda
Atropelada por outros fatos e providencialmente esquecida pela mídia, a 22ª
fase da
Lava Jato continua um mistério. Por que ela destoa tanto dos padrões de
outras ações do
juiz
Sergio Moro e da força-tarefa?
E por que a missão organizada para ser a cereja do bolo após dois anos de
intensas investigações tornou-se uma letra morta, um arquivo incômodo nos
escaninhos da Justiça Federal em Curitiba?
A 22ª fase, batizada de Triplo X, referência pouco sutil ao
apartamento triplex em um edifício na praia paulista do Guarujá atribuído ao
ex-presidente Lula, ganhou as ruas em 27 de janeiro.
Não era, portanto, uma ação qualquer. Investia-se naquele momento contra o
alvo mais cobiçado desde o início da Lava Jato. As coisas não saíram, porém,
como planejado.
Um dos endereços visitados por agentes da Polícia Federal ficava no Conjunto
Nacional, prédio de escritórios e lojas na Avenida Paulista, centro financeiro
de São Paulo.
A busca e apreensão aconteceu mais precisamente na filial brasileira da
Mossack
& Fonseca, banca de advocacia panamenha internacionalmente conhecida por
assessorar traficantes, ditadores, corruptos e sonegadores no ato de esconder
dinheiro em paraísos fiscais.
Qual a relação da empresa com o apartamento no Guarujá? Uma offshore aberta
pela Mossack & Fonseca, a Murray Holdings LCC, tinha em seu nome outro
tríplex no mesmo prédio. Ao esbarrar na firma panamenha durante a fase
preliminar da investigação, a força-tarefa acreditou ter encontrado o elo para
provar que Lula havia cometido o crime de ocultação de patrimônio.
Em resumo: por meio de laranjas, a
empreiteira
OAS esconderia os verdadeiros proprietários dos imóveis no Edifício Solaris.
Bingo? Longe disso. Logo no primeiro dia, a Triplo X identificou 40 indivíduos e
empresas no Brasil que fizeram negócios com a Mossack & Fonseca. E aí começa
o mistério.
(Leia
o outro lado)
Ao contrário de outras fases e do padrão de comportamento do juiz Moro, os
representantes do escritório panamenho não amargaram longos períodos na cadeia
nem tiveram os pedidos de prisões temporárias convertidos em detenções
preventivas, cuja suspensão fica a critério da Justiça. Foram soltos em tempo
recorde, menos de dez dias após a operação.Entre os libertados perfilava-se o
principal representante da companhia no Brasil, Ricardo Honório Neto.
- Fora dos padrões da Lava Jato, os funcionários da Mossack foram rapidamente
liberados (Foto: Paulo Lisboa/Estadão Conteúdo)
O executivo trabalha na Mossack & Fonseca há ao menos dez anos e é bem
relacionado, com contatos na própria Polícia Federal. Em 2007, um e-mail
interceptado prova que Honório Neto havia sido informado a respeito de uma
operação da PF no escritório da empresa.
Na mensagem, ele avisa da ação e orienta subordinados a destruir e ocultar
documentos antes da chegada dos federais. Esconder informações é, aliás, uma
prática corriqueira e contínua na companhia. Escutas telefônicas recentemente
autorizadas que embasaram a Triplo X flagraram Ademir Auada, um dos presos em 27
de janeiro e logo liberado, a confessar a destruição de papéis do escritório.
A eclosão do escândalo internacional que envolve diretamente a empresa
panamenha, a partir do megavazamento de 11,5 milhões de documentos sobre as
offshore pertencentes a políticos, ditadores, celebridades e afins, todas
criadas com o intuito de no mínimo sonegar impostos, causou constrangimentos na
força-tarefa da Lava Jato.
Os investigadores sabem que serão cobrados por causa do “desinteresse” em
relação às atividades da Mossack & Fonseca. O juiz Moro não atendeu aos
pedidos de explicação de
CartaCapital. Teria sido apenas
desatenção ou algum interesse específico explicaria o comportamento incomum da
turma de Curitiba no episódio?
Raciocinemos: Moro já afirmou mais de uma vez que o apoio dos meios de
comunicação é essencial na
cruzada
contra a corrupção. A parceria mídia-Justiça, entende o magistrado, serve
para impedir o sistema político de barrar as investigações. Mas e se um dos
aliados na imprensa cair por acaso na rede de apuração? O que fazer?
Não se sabe. Fato é que entre os documentos apreendidos durante a Triplo X
aparecem os registros de offshore ligadas a Alexandre Chiapetta de Azevedo. O
empresário foi casado até recentemente com Paula Marinho Azevedo, filha de João
Roberto Marinho, um dos herdeiros da Globo, que apoia de forma acrítica a Lava
Jato e até concedeu um prêmio ao juiz Moro. Na lista encontrada na sede da
Mossack & Fonseca desponta a Vaincre LLC.
A offshore integra uma complexa estrutura patrimonial: é sócia da
Agropecuária Veine Patrimonial, que por sua vez é dona de uma imponente e
moderna casa em uma praia exclusiva de Paraty, litoral do Rio de Janeiro, que
pertenceria à família Marinho.
A propriedade é alvo de uma ação do Ministério Púbico Federal por crime
ambiental. Os Marinho, assim como o ex-presidente Lula no caso do triplex no
Guarujá, negam ser os donos do imóvel.
Diferentemente do que acontece no caso de Lula, as relações dos herdeiros da
Globo com a casa em Paraty se avolumam. Na mesma lista apreendida no escritório
da Mossack & Fonseca, ao lado do registro a respeito da Vaincre LLC aparece
o nome de outra empresa, a Glem Participações, que detém um contrato com o
governo estadual do Rio de Janeiro para a exploração do parque de remo da Lagoa
Rodrigo de Freitas.
Segundo o blog Vi o Mundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, a Glem pertence
a Azevedo, ex-marido de Paula Marinho. A neta de Roberto Marinho aparece ainda
como fiadora do contrato entre o governo fluminense e a Glem.
Outro documento revela que a Agropecuária Veine é dona de uma cota de um
helicóptero do modelo Augusta A-109, matrícula PT-SDA, utilizado pela família
Marinho. O endereço para entrega de correspondências no contrato de importação
do helicóptero é o mesmo da empresa de Azevedo.
Só para esclarecer: a empresa dona do triplex em Paraty recebe suas
correspondências no escritório do ex-marido de uma das herdeiras da Rede Globo.
As Organizações Globo enviaram nota a
CartaCapital
explicando a situação das offshore, do helicóptero e do triplex em Paraty. Diz a
nota que ninguém da família é proprietário da empresa que administra o sítio.
Diz também que Paula Marinho não é dona da offshore Vaincre, mas pela primeira
vez confirma que a empresa é de propriedade do ex-marido.
Ou seja, o triplex serviu, sim, à família, uma vez que a offshore é uma das
sócias da propriedade em Paraty. A emissora afirma também que Paula não tem
ligação nenhuma com a Glem Participações e diz que o helicóptero pertenceu ao
ex-genro, tendo sido fiadora da aeronave a pedido de Alexandre.
O ex-genro global foi procurado pela revista, mas não se manifestou sobre o
assunto.
A história da casa em Paraty não é a única relação dos Marinho com a
Mossack & Fonseca e os
Panama
Papers.
Segundo o jornal holandês deVerdieping Trouw, com base em documentos vazados,
a emissora brasileira teria usado empresas de fachada para pagar intermediários
na compra de direitos de transmissão da Copa Libertadores da América.
- A casa em Paraty da qual os Marinho negam ser donos (Foto: João Miguel
Júnior/TV Globo)
O diário argentino La Nación trouxe outras revelações: “Por razões fiscais,
em 2012, a T&T transferiu os seus direitos à empresa Torneios&Traffic
Sports Marketing BV, com sede nos Países Baixos. Por trás dessa offshore
holandesa, a Mossack & Fonseca criou a Medak Holding Ltd., registrada em
Chipre, que, por sua vez, era controlada pela uruguaia Henlets Grupo”.
A reportagem prossegue: “A empresa holandesa, com licença de televisão
concedida pela T&T, intermediava a venda dos direitos. A offshore negociou
aportes milionários com a TV Globo do Brasil, que eram depositados no ING Bank,
em Amsterdã.
A empresa holandesa e a TV Globo tiveram contratos negociados de 2004 a 2019,
a uma quantia estimada de 10 milhões de dólares”.
Não à toa, a Globo registrou timidamente o escândalo internacional que
monopolizou a atenção da mídia estrangeira nos últimos dias. Na segunda-feira 4,
por exemplo, o Jornal Nacional tratou do assunto em meros 40 segundos. Sem
imagens, o texto basicamente informava que a Procuradoria-Geral da República
investigaria os donos brasileiros de offshore abertas pela Mossack &
Fonseca. E ponto.
Há outros ilustres nativos, vários envolvidos em crimes de corrupção, no rol
de clientes do escritório panamenho. Robson Marinho, conselheiro afastado do
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e acusado de receber propina durante
sua passagem pelo governo do tucano Mário Covas, é dono da Higgins Finance.
- Os documentos de uma transação complexa
Segundo o Ministério Público, Marinho embolsou 2,7 milhões de dólares em
troca de contratos fraudulentos assinados com a multinacional francesa Alstom. A
propina teria ainda abastecido o caixa 2 de campanhas eleitorais do PSDB
paulista.
Além dos Marinho globais e do Marinho tucano, os proprietários de offshore
até agora flagrados na enorme pilha de documentos incluem políticos brasileiros
de sete partidos: PSDB, PDT, PMDB, PP, PSB, PSD e PTB.
Constam da lista, entre outros, o indefectível
Eduardo
Cunha, presidente da Câmara, o ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso,
o ex-ministro Edison Lobão, o falecido tucano Sérgio Guerra, acusado por um dos
delatores da Lava Jato de ter recebido 10 milhões de reais para abafar uma CPI,
e o ex-deputado federal João Lyra.
Fora do Brasil, a “lista negra”, conforme definição de parte da mídia
estrangeira, também inclui nomes para todos os gostos, de amigos do presidente
russo Vladimir Putin ao cunhado do presidente chinês Xi Jinping.
O primeiro-ministro islandês,
Sigmundur
Gunnlaugsson, viu-se obrigado a renunciar após a descoberta de que mantinha
uma offshore em sociedade com a mulher.
Depois de uma entrevista desastrada a um canal de tevê, na qual emudeceu
diante das perguntas dos repórteres e encerrou a conversa sem maiores
explicações, Gunnlaugsson foi pressionado pelo partido e por protestos de
eleitores.
Na América Latina, o nome de maior destaque é o do presidente da Argentina,
Mauricio Macri. Dono de duas offshore abertas nos anos 1980, Macri afirma que as
operações foram legais e tratavam de uma sociedade com o pai.
Embora os 11,5 milhões de documentos vazados possibilitem a todos entender
melhor como funciona o esquema de lavagem de dinheiro no mundo, a atuação da
Mossack & Fonseca não é propriamente uma novidade.
- O primeiro-ministro islandês renunciou. Macri não se abala e Putin tem
amigos na lista suja (Foto: Halldor Kolbeins/AFP, Juan Mabromata/AFP e Ivan
Sekretarev/AFP)
O escritório, fundado em 1977 pelo alemão Jurgen Mossack e o panamenho Ramón
Fonseca, à época vice-presidente do país, estendeu seus serviços por mais de 40
países.
Em 2014, o jornalista norte-americano Ken Silverstein reconstruiu a história
da Mossack & Fonseca e suas relações com ditadores, traficantes e criminosos
diversos.
Rami Makhlouf, o homem mais rico da Síria, descreve Silverstein, valeu-se da
empresa panamenha para esconder dinheiro sujo do ditador Bashar al-Assad.
Muammar Kaddafi, que dominava a Líbia com mão de ferro, e Robert Mugabe, do
Zimbábue, também foram clientes.
Os Panama Papers, pelo que se viu até o momento, tendem a se tornar um
escândalo de maior proporção do que o vazamento das contas da filial suíça do
banco britânico HSBC. Mas, no Brasil atual, como diria o juiz Moro, “não vem ao
caso”.
A rede criminosa da Mossack é grande e em outros momentos, curiosamente,
chegou a ser alvo de interesse da Lava Jato. Foi quando identificou que a
lavanderia panamenha foi responsável pela abertura das offshore em nome do
ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o lobista Mário Góes.
Todos foram presos e cumprem ou cumpriram longas prisões preventivas até
delatar tudo o que sabiam ou até desconheciam.
Caberá ao Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho
Nacional do Ministério Público e ao Supremo Tribunal Federal, se provocados, se
manifestarem sobre tais “peculiaridades” judiciais de Curitiba.
Outro lado: a resposta do Grupo Globo
1- Existe alguma relação entre os proprietários do Grupo Globo e a empresa
Agropecuaria Veine Patrimonial?
R: Não. Os proprietários do Grupo Globo não são donos dessa empresa.
2 -
Existe alguma relação entre a offshore Vaincre LCC e Paula Marinho
Azevedo?
R: Paula Marinho não é proprietária dessa empresa, direta ou
indiretamente. O responsável por essa empresa é o ex-marido de Paula
Marinho.
3 - Existe alguma relação entre a Glem Participações e Paula Marinho
Azevedo?
R: Paula Marinho não é e nunca foi proprietária dessa empresa. A
empresa é de propriedade da família do ex-marido de Paula Marinho.
4 - Um
contrato do helicóptero Agusta A-109, matrícula PT-DAS, tem como endereço de
correspondência a Glem Participações. Paula foi fiadora do termo entre o Estado
do Rio e a Glem Participações para a concessão do estádio de remo na Lagoa
Rodrigues de Freitas. Qual a relação dela com o helicóptero e com a
empresa?
R: O helicóptero que teve as documentações expostas não pertence e
nem é utilizado pela família ou pelo Grupo Globo. Quanto à fiança, se operou na
época em que esteve casada, a pedido do então marido.
5 - Um heliponto em
Paraty foi registrado em nome da Agricultura Veine com o direito de uso de tal
aeronave acima mencionada. O ex-marido dela fez ou faz uso da aeronave? Qual a
relação de Paula com este heliponto?
R: O Grupo Globo não tem relações com
essa empresa nem com o heliponto. O possuidor da aeronave é o ex-marido de
Paula.
6 - Tal heliponto fica em uma praia e presta serviço a uma residência a beira
mar. Qual a relação da propriedade com a empresária?
R: O Grupo Globo informa
que a citada casa não pertence e nunca pertenceu a qualquer membro da família
Marinho.
7 -Segundo o jornal holandês deVerdieping Trouw, documentos revelam que a
emissora teria usado empresas de fechada para pagar intermediários em direitos
de transmissão da Libertadores da América. Qual o posicionamento da
empresa?
R: A Globo adquiriu os direitos de transmissão da Copa Libertadores
da América da empresa detentora e autorizada a cedê-los. Toda a movimentação
financeira foi registrada e realizada via Banco Central e todos os impostos
recolhidos conforme a regulação vigente.
*Este texto foi originalmente publicado com uma foto do ex-governador de
Pernambuco João Soares Lyra Neto, identificado incorretamente como o ex-deputado
federal João Lyra. O erro já foi corrigido
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