terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Israel envia migrantes africanos indesejados a outros países, aponta investigação da BBC

BBC BRASIL.com
3 fev 2016
Há quase um ano, Israel tem oferecido a imigrantes africanos dinheiro e a chance de ir morar em um terceiro país considerado seguro. Mas dois homens entrevistados pela BBC afirmam que foram abandonados pelas autoridades israelenses assim que desceram do avião.
Um deles rapidamente se tornou vítima de tráfico humano; o segundo teve de se virar por conta própria sem documentos.
Adam tinha 18 anos quando foi a Israel, em 2011, fugindo do genocídio em Darfur, no Sudão. Ele havia passado anos em um campo de refugiados no país africano quando resolveu atravessar o Egito e a perigosa península do Sinai para chegar a Israel.
Mas o país - que aprovou menos de 1% dos pedidos de refúgio que recebeu desde que assinou a Convenção da ONU sobre refugiados, há seis décadas - não ofereceu refúgio a nenhuma pessoa vinda do Sudão.
O pedido de Adam foi negado em outubro de 2015 e, quando ele tentou renovar a permissão temporária para permanecer no país, acabou sendo levado ao isolado campo de Holot, no deserto de Negev.
O sudanês não ficou surpreso, já que a maioria dos sudaneses e eritreus em Israel sabem que cedo ou tarde serão enviados a Holot.
Adam é do Sudão e agora vive no centro de detenção de Holot (Foto: BBC)
Adam é do Sudão e agora vive no centro de detenção de Holot (Foto: BBC)
Foto: BBC / BBCBrasil.com
O governo israelense chama Holot de um "centro de estadia aberto", mas o local é gerenciado pelo serviço prisional do país e as regras são severas, incluindo um toque de recolher à noite que, se for desrespeitado, pode resultar em prisão.
A reportagem da BBC conversou com Adam e um grupo de amigos do lado de fora dos portões do campo. Eles passavam a maior parte do dia jogando cartas ou sinuca, ou comendo e cozinhando em restaurantes improvisados.

Eles se revezavam para fazer a viagem de uma hora de ônibus até a cidade mais próxima, Beersheva, para comprar comida e complementar as refeições servidas em Holot.
A maioria dos homens tem entre 20 e 30 anos. Alguns já trabalharam como professores, ou eram ativistas ou estudantes quando moravam em seus países.
Mesas improvisadas em Holot (Foto: BBC)
Mesas improvisadas em Holot (Foto: BBC)
Foto: BBC / BBCBrasil.com
"Estamos desperdiçando nossa juventude aqui. Se alguém vive em Holot, não tem futuro... Você encontra muitas pessoas que ficam loucas aqui", disse Adam.
Desde a visita da BBC a Holot, os restaurantes improvisados e as áreas de jogos foram demolidas por ordem do governo. O que deixou os moradores do campo com ainda menos opções para passar o tempo.
Adam ficará no campo por 12 meses. Então é provável que ele tenha estas escolhas: voltar para o Sudão; ficar em Israel, porém preso por tempo indefinido; aceitar o envio para um terceiro país.

Tráfico

O centro de detenção de Holot fica perto da prisão de Saharonim, onde os que se recusam a deixar Israel podem ser presos por tempo indeterminado (Foto: BBC)
O centro de detenção de Holot fica perto da prisão de Saharonim, onde os que se recusam a deixar Israel podem ser presos por tempo indeterminado (Foto: BBC)
Foto: BBC / BBCBrasil.com
O governo israelense tem acordo com dois países na África para enviar os migrantes que não quer.
Às pessoas que escolhem a "partida voluntária para um outro país", Israel promete documentação na chegada, com status legalizado no país, e US$ 3,5 mil (quase R$ 14 mil), entregues ainda no portão de embarque do aeroporto de Tel Aviv.
O governo israelense se recusa a divulgar o nome dos dois países africanos com que tem acordo, mas os migrantes que conversaram com a BBC dizem ter sido enviados para Ruanda e Uganda.
Um deles é Tesfay, eritreu enviado para Ruanda em março de 2015 - segundo ele, sem documentos migratórios, casa ou emprego, como lhe fora prometido em Israel. Ele se transformou em vítima de tráfico de pessoas.
Tesfay afirmou que um documento de viagem e um visto de entrada em Ruanda, ambos emitidos em Israel, foram confiscados na chegada ao aeroporto de Kigali.
Junto com outros nove eritreus, ele diz que foi levado para uma pensão. Ouviu que não deveria sair da casa, porque seria perigoso fazê-lo sem documentos. Então, dois dias depois de chegar, soube que teria de ir embora.
"Você vai para Uganda. Mas, antes, você precisa pagar US$ 150 (cerca de R$ 595). Então, da fronteira até Kampala (capital de Uganda), você precisa pagar de novo", disse a ele um homem que se apresentou como John.

Amontoados em um micro-ônibus, eles viajaram por seis horas para a fronteira de Uganda e, chegando lá, tiveram que sair do veículo.
Tesfay fez esta foto da pensão em Ruanda
Tesfay fez esta foto da pensão em Ruanda
Foto: BBC / BBCBrasil.com
"Quando cruzamos a fronteira foi quando entendi que estávamos sendo traficados. Fomos à pé, em silêncio. Estávamos sendo traficados de um país para outro", disse Tesfay.
Eles pagaram mais US$ 150 para continuar a viagem até Kampala.
Mas, ao chegar, tendo entrado no país como imigrantes ilegais, eles foram presos.
Com o dinheiro que não lhe foi confiscado, ele pagou a fiança. Tesfay foi avisado que provavelmente seria deportado para a Eritreia - o país de regime autoritário e repressivo do qual ele havia fugido.
Tesfay então pagou outro traficante para ir para o Quênia, onde hoje tenta obter refúgio.

Sem confirmações

Ruanda não confirma qualquer acordo para receber os migrantes que Israel não quer. O governo de Uganda também negou a existência desse tipo de acerto e disse à BBC que está investigando como migrantes que alegam ter vindo de Israel estão entrando no país.
Tesfay agora está no Quênia (Foto: BBC)
Tesfay agora está no Quênia (Foto: BBC)
Foto: BBC / BBCBrasil.com
http://noticias.terra.com.br/mundo/israel-envia-migrantes-africanos-indesejados-a-outros-paises-aponta-investigacao-da-bbc,b51e3ef3750a92813423b2c295a2b86e8n5dof1z.html

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