“Nosso compromisso é nunca esquecer que viemos dos assentamentos
e acampamentos. Ao MST: conte com essas médicas e médicos veterinários; com
homens e mulheres dispostos a encarar a luta por um Brasil sem cercas”,
discursou uma estudante.
Por Catiana de Medeiros,
Formatura dos sem-terra em Veterinária | Fotos: Leandro
Molina
“Juro, no exercício da profissão de Médico Veterinário, doar meus
conhecimentos em prol da salvação e o bem-estar da vida animal, respeitando-a
tal qual a vida humana e promovendo o convívio leal e fraterno entre o homem e
as demais espécies.” Este foi o juramento feito por 45 trabalhadores rurais
sem-terra durante cerimônia de formatura da 1ª Turma Especial de Medicina
Veterinária para assentados da reforma agrária, realizada na última sexta-feira
(18), em Pelotas (RS).
Os formandos, oriundos dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa
Catarina, Ceará, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, receberam o diploma de
Médico Veterinário após oito anos da realização do primeiro vestibular, que
ofereceu 60 vagas, e de enfrentamento às barreiras impostas por ruralistas e
setores conservadores da região de Pelotas que não queriam que o curso não fosse
uma conquista dos sem-terra.
A 1ª Turma Especial de Medicina Veterinária teve como patrono o deputado Adão
Pretto (in memoriam) e é uma parceria entre o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Universidade Federal de Pelotas
(Ufpel), onde ocorreram as aulas, através do Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (Pronera). Uma segunda turma, que também iniciou com 60
acadêmicos, está em andamento deste 2013.
Durante a cerimônia de colação de grau, a oradora da turma, Roseli
Canzarolli, afirmou que o ingresso dos sem-terra na
universidade, a cinco anos atrás, representa o rompimento das cercas do saber e
que o diploma conquistado reforça o compromisso que os acadêmicos têm com a luta
do MST e a responsabilidade de atuar na produção agroecológica, travando o
avanço do agronegócio.
Roseli também explicou que a turma não teve regalias ou vantagens: “Só
tivemos o que é nosso por direito e de qualquer outro estudante”, e relatou o
preconceito sofrido e as dificuldades que vieram com a falta de infraestrutura e
de recursos para realizar o curso. Em nome dos 45 formandos, ela ainda ressaltou
que jamais esquecerão de suas origens: a família sem-terra.
“Nosso compromisso é nunca esquecer que viemos dos assentamentos e
acampamentos. Ao MST: conte com essas médicas e médicos veterinários, mas,
principalmente, com homens e mulheres dispostos a encarar a luta por um Brasil
sem cercas”, finalizou Roseli.
Educação aliada à transformação social
Em nome do MST, o coordenador nacional Cedenir de Oliveira, agradeceu à Ufpel
por ter aberto as portas da universidade para acolher os acadêmicos e da coragem
que tiveram de enfrentar, junto ao Movimento, todos as barreiras que se
levantaram contra a realização do curso para acampados e assentados da reforma
agrária. Ele também afirmou que, além de marchar e ocupar latifúndios, os Sem
Terra têm a condição de entrar na universidade de cabeça erguida. “Essa
juventude nos orgulha”, disse.
Para o dirigente do MST, o processo de educação dos filhos de assentados e
acampados tem entre seus objetivos principais mudar os paradigmas da
agricultura, na qual são jogados em torno de 1 bilhão de litros de veneno por
ano, provocando câncer e a morte de mais de 500 mil pessoas.
Segundo Oliveira, para mudar essa realidade se faz necessária a produção de
alimentos sadios, uma prática já adotada por milhares de trabalhadores Sem Terra
em todo o Brasil, mas que também é fundamental o conhecimento acadêmico e
científico para fortalecer esse modelo saudável de agricultura.
A 1ª Turma Especial de Veterinária teve como patrono o deputado
Adão Pretto
“Nossa perspectiva é que possamos avançar na produção de alimentos livres de
venenos. E, para isso, contamos com o conhecimento empírico dos nossos
camponeses, mas também precisamos, sim, do conhecimento científico, que se dá
através de cursos como o de Medicina Veterinária, Agronomia e tantos outros que
conquistamos, para que de fato possamos enfrentar as grandes contradições,
produzir com qualidade e abastecer a sociedade”, argumentou.
Cedenir ainda apontou a importância de romper as cercas da educação, para
além do latifúndio, “para ter pessoas mais dignas, mais cultas e,
consequentemente, mais humanas”. “Não faremos mudanças sociais nesse país apenas
distribuindo economia. Nós precisamos elevar o nível de conhecimento e de
cultura das massas através da educação dos nossos filhos e das nossas bases.
Somente assim transformaremos esse país”, concluiu.
Barreiras
O curso de Medicina Veterinária para assentados da reforma agrária começou a
ser pensado ainda em 2005 pelo MST, quando foi encaminhado um projeto para a
capacitação de jovens em Medicina Veterinária ao Pronera. No ano de 2007 ocorreu
a assinatura do convênio e foi realizado vestibular para o ingresso de 60
acadêmicos.
Porém, o Ministério Público de Pelotas entrou com uma ação civil contra a
realização do curso e as aulas iniciaram apenas quatro anos depois, no primeiro
semestre de 2011, após longa disputa judicial que terminou com o parecer
favorável do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao Incra no final de 2010.
As aulas iniciaram em regime de alternância, ou seja, os estudantes passavam
de 80 a 120 dias na universidade e depois mais dois meses nas suas comunidades,
realizando trabalhos acadêmicos e de pesquisa prática.
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