domingo, 20 de setembro de 2015

R$200 bilhões: Fortuna de ricos brasileiros é protegida do IR da pessoa física

 

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No embalo do neoliberalismo, Fernando Henrique Cardoso aprovou em 1995 a lei que instituía a isenção de IR para os ricos.

Lei de 1995 beneficia 71 mil brasileiros ricos que não pagam Imposto de Renda. Fim da isenção renderia meio ajuste fiscal.

André Barrocal, via Carta Capital em 10/8/2015

O leão do Imposto de Renda mia feito gato com os ricos, como atestam dados recém-divulgados pela própria Receita Federal. Os maiores milionários a prestar contas ao fisco, um grupo de 71.440 brasileiros, ganharam em 2013 quase R$200 bilhões sem pagar nada de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Foram recursos recebidos por eles, sobretudo, como lucros e dividendos das empresas das quais são donos ou sócios, tipo de rendimento isento de cobrança de IRPF no Brasil.

Caso a bolada fosse taxada com a alíquota máxima de IRPF aplicada ao contracheque de qualquer assalariado, de 27,5%, o País arrecadaria R$50 bilhões por ano, metade do fracassado ajuste fiscal arquitetado para 2015 pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Detalhe: os 27,5% são a menor alíquota máxima entre todos os 116 países que tiveram seus sistemas tributários pesquisados por uma consultoria, a KPMG.

A renda atualmente obtida pelos ricos sem mordidas do IRPF – R$196 bilhões em 2013, em números exatos – tornou-se protegida da taxação há 20 anos. No embalo do Consenso de Washington e do neoliberalismo do recém-empossado presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo aprovou em 1995 uma lei instituindo a isenção.

O paraíso fiscal foi criado sob duas alegações. Primeira: as empresas responsáveis por distribuir lucros e dividendos aos donos e sócios já pagam IR como pessoa jurídica. Segunda: com mais dinheiro no bolso, os ricos gastariam e investiriam mais, com vantagens para toda a economia. Argumentos com cheiro de jabuticaba, sendo que o segundo foi recentemente derrubado pelo Fundo Monetário Internacional em um relatório sobre o qual pouco se falou no Brasil. Na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo a reunir 34 países desenvolvidos, só a Estônia dá a isenção.

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Marcio Pochmann: “No Brasil, quem mais reclama são os que menos pagam impostos.”

“No Brasil, quem mais reclama são os que menos pagam impostos”, diz Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “A Receita é uma mãe para os ricos, o Ministério da Fazenda é o ministério social dos ricos.”

A boa vida garantida pelo fisco aos donos e sócios de empresas ajuda a explicar algo curioso. O Brasil tornou-se uma pátria de empresários nos últimos tempos. Possui mais gente nesta condição (7 milhões apresentaram-se assim na declaração de IR de 2014) do que a trabalhar como empregado do setor privado (6,5 milhões). É a famosa terceirização, com profissionais contratados na qualidade de PJ, não via CLT.

A transformação de trabalho em capital é um fenômeno mundial, mas parece ainda mais “disseminada” e “impetuosa” por aqui, diz o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas e autor do estudo Imposto de Renda e Distribuição de Renda e Riqueza no Brasil. Para ele, é urgente debater o assunto.

“O governo comemorava uma redução da concentração da renda, mas só considerava a de salários e a declarada nas pesquisas censitárias”, afirma Afonso. “Se formos considerar também o declarado ao Imposto de Renda, se descobre que daquelas pesquisas escapam parcela crescente e majoritária das rendas de brasileiros de classe média e alta, que passaram a receber como pessoa jurídica.”

O fim da isenção de IRPF sobre lucros e dividendos, conta um ministro, era uma das medidas no bolso do colete de Dilma Rousseff para ajudar no ajuste fiscal. O problema, diz este ministro, é o provável boicote do Congresso contra qualquer tentativa de taxar mais o “andar de cima”. O Palácio do Planalto não quer comprar briga em vão.

Repleto de políticos ricos e devedores de gratidão a empresários financiadores de suas campanhas, o Congresso tem uma resistência histórica a corrigir as injustiças do sistema tributário brasileiro. A Constituição de 1988 previu, por exemplo, a cobrança de um imposto sobre grandes fortunas, mas até hoje a nação espera pela aprovação de uma lei a tirar a taxação do papel. FHC chegou a propor tal lei. Mas foi como senador, antes de chegar ao Planalto.

Vez ou outra, algum parlamentar anima-se a propor tal lei. No início do ano, foi a vez da deputada carioca Jandira Feghali, líder do PCdoB, com a preocupação de direcionar os recursos só para a saúde. Com seis mandatos seguidos, ela não se ilude com a chance de aprovação de ideias como esta ou a taxação de jatinhos e iates com IPVA, outra proposta dela. “Esse é um dos Congressos mais ricos e mais influenciáveis pelo poder econômico da nossa história”, diz.

Os dados recém-divulgados pela Receita Federal sobre o IRPF talvez possam ajudar a contornar tal resistência. Neste trabalho, o fisco separou os contribuintes em onze faixas de renda, variáveis de meio salário mínimo a 160 salários mínimos mensais. Em cada categoria, podem ser vistos o número de pessoas ao alcance do Imposto de Renda da pessoa física, seu patrimônio, renda, benesses e tributação efetiva. É a mais completa e detalhada compilação de dados já feita pelo leão.

Em 2014, houve 26,5 milhões de declarações de IRPF. Aquelas 71.440 pessoas com renda isenta de quase R$200 bilhões estão no topo da pirâmide, faixa de renda superior a 160 salários mínimos por mês. Juntas, elas detêm 29% do patrimônio e 22% da renda nacionais. É como se cada uma tivesse salário mensal de R$341 mil e bens de 17,6 milhões. Apesar da riqueza, o IRPF pago por elas em 2013 somou míseros R$6,3 bilhões. Ou só 5,5% da arrecadação com IRPF.

Dados deste tipo são apresentados pelo economista francês Thomas Piketty no livro O capital no século 21, bíblia para os interessados em saber mais sobre a concentração de renda pelo planeta. O Brasil ficou de fora da obra justamente porque a Receita não tinha os dados de agora para fornecer antes. Espera-se que os acadêmicos possam estudá-los daqui para a frente.

Um dos interessados no tema é diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, André Calixtre. No fim ano passado, o economista concluiu um estudo chamado Nas fronteiras da desigualdade brasileira, no qual sustentava que a distância entre ricos e pobres no País era bem maior em termos patrimoniais do que em termos de renda. E que esse padrão histórico havia se mantido apesar da distribuição de renda vista na década passada. O trabalho partia das declarações de bens entregues por candidatos a prefeito à Justiça Eleitoral em 2102.

Em uma primeira análise sobre os dados da Receita, Calixtre viu sua hipótese se confirmar. Entre 2007 e 2013, diz ele, o número de declarantes de IRPF a ganhar até cinco salários mínimos caiu de 54% para 50%, enquanto os que recebem acima de 20 mínimos permaneceu em 8,4%. Ao mesmo tempo, o estrato intermediário, a receber entre 5 e 20 mínimos mensais cresceu de 37,2% para 40,8%.

O rendimento tributável pela Receita detido por cada segmento sofreu a mesma alteração no período de 2007 a 2013. O pessoal de renda baixa morde agora uma fatia maior (de 20,9% para 21,9%), o pelotão do meio idem (de 44,2%para 47,8%), enquanto a turma do topo fica com um pouco menos (de 34,9% para 30,4%).

O problema, diz Calixtre, é que em termos patrimoniais praticamente nada mudou neste período de seis anos. As pessoas a receber até cinco salários mínimos ainda ficam com 14% do valor dos bens declarados ao fisco, aquelas situadas entre 5 e 20 têm os mesmos 27% e o andar de cima (mais de 20 mínimos) segue com 57%. “Democratizamos a renda, falta democratizar a propriedade privada no Brasil”, afirma.

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