quinta-feira, 6 de março de 2014

Sistema penitenciário dos Estados Unidos é um grande asilo de velhos

 

Por Kanya D’Almeida, da IPS

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O número de detentos de 55 anos ou mais quase quadruplicou entre 1995 e 2010, o que representa alta de 218% em apenas 15 anos. Foto: Bigstock

Nova York, Estados Unidos, 5/3/2014 – Um idoso recebe a ajuda de uma enfermeira para se levantar da cadeira. Ele aperta os braços da mulher e caminha confiando cegamente que ela o levará à mesa para almoçar. Próximo, um homem passa o dia acompanhado de seu aparelho de respiração. Outro tateia no criado-mudo em busca da dentadura, e o vizinho chama seu médico, embora não consiga lembrar seu nome.

Isso poderia soar como um típico dia em um asilo para idosos, mas inúmeras investigações independentes descrevem cenas como essas no lugar mais impensável: as prisões dos Estados Unidos. O Instituto Nacional de Prisões considera que, devido às condições de vida insalubres antes e durante o tempo na prisão, os detentos com mais de 50 anos no país já estão “envelhecidos”.

Portanto, seguindo esse critério, há cerca de 246.600 “anciãos” em centros penitenciários estaduais e federais, e espera-se que o número suba para 400 mil até 2030, segundo a União Norte-Americana de Liberdades Civis (Aclu). Um informe da organização Human Rights Watch, intitulado Velhos Atrás das Grades, diz que o número de detentos de 55 anos ou mais quase duplicou entre 1995 e 2010, o que representa aumento de 218% em apenas 15 anos.

Como mais de 16% da população carcerária entra na categoria de “idosos”, especialistas alertam que o sistema penitenciário norte-americano começa a ficar semelhante a um gigante asilo para velhos, com enorme custo econômico e humanitário para a sociedade.

Jamie Fellner, conselheiro do Programa para os Estados Unidos da Human Rights Watch, disse à IPS que as leis “de mão dura contra o crime” dos anos 1980 e 1990 deram lugar a um aumento das sentenças longas por crimes que até então não puniam com mais de dez ou 15 anos de prisão. “Assim como as pessoas condenadas à prisão perpétua vão morrer na cadeia, as que cumprem sentenças de 20, 30 ou 40 anos inevitavelmente envelhecerão atrás das grades”, acrescentou.

Outras fontes, incluindo um informe do Pew Center Charitable Trust, sugerem que as leis federais dos anos 1970, com rígidas restrições à liberdade sob palavra e que puniam severamente a reincidência, também contribuíram para que a população carcerária atual tenha idade avançada.

Seja qual for a razão, especialistas concordam que o custo de ter presos com mais de 50 anos é astronômico. Um informe da Aclu intitulado À Custa dos Estados Unidos calcula em US$ 69 mil o custo anual de manter um detento em idade madura, contra US$ 34,135 mil de um com idade média.

Os contribuintes norte-americanos desembolsam US$ 16 bilhões por ano para manter presos em idade avançada, quantia que ultrapassa o orçamento anual do Departamento de Energia e também excede o investimento feito pelo Departamento de Educação na melhoria de escolas primárias e secundárias.

Essas enormes quantias levam alguns a perguntar o que as autoridades penitenciárias e do Departamento de Justiça parecem evitar: qual a finalidade de manter na prisão pessoas em idade avançada? Existe alguma alternativa?

Laura Whitehorn, ativista política que passou 14 anos atrás das grades e agora trabalha na campanha Libertem as Pessoas Idosas da Prisão, afirmou que a taxa extremamente baixa de reincidência entre ex-presidiários com mais de 50 anos é um forte argumento para acelerar sua liberdade.

Por exemplo, apenas 7% dos ex-detentos com idades entre 50 e 64 anos no Estado de Nova York voltaram a cometer um crime, e a proporção cai para 4% entre os maiores de 65 anos. Em comparação, a taxa de reincidência nos demais grupos etários é de aproximadamente 40%.

Além disso, os presos que já cumpriram uma parte considerável de suas condenações poderiam ser de grande ajuda para suas comunidades, pontuou Whitehorn. “A razão pela qual o movimento a favor dos presos é tão forte agora é que a maioria das organizações conta com ex-presidiários entre seu pessoal, que oferecem suas ideias sobre o que deve mudar para se sair do atual poço do castigo perpétuo e do dano causado pelo sistema prisional”, acrescentou.

“Por isso nosso lema é: se o risco é baixo, deixem que partam”, explicou Whitehorn, lembrando que as juntas de liberdade condicional prestam demasiada atenção à sentença original em lugar de considerar a verdadeira possibilidade de o preso reincidir no caso de ser libertado.

A ativista citou o caso de um homem de 86 anos que passou 40 na prisão por um crime cometido na década de 1970. Embora sofra de asma, câncer e desordem neuromuscular que o prende a uma cadeira de rodas, a junta de liberdade condicional negou sua liberdade argumentando que “provavelmente” reincidiria.

Fellner contou à IPS que no Estado do Mississippi entrevistou um preso tão senil que havia escrito em seus sapatos para lembrar qual era o pé direito e qual era o esquerdo. “Realmente temos que considerar essas pessoas uma ameaça para a sociedade?”, questionou.

Fellner apontou que a arquitetura das prisões foi desenvolvida para o protótipo de “criminoso jovem e duro”, por isso não são facilmente transitáveis para presos fracos ou deficientes. Muitas vezes os guardas interpretam suas dificuldades como falta de disposição para cooperar, e os castigam.

Um preso de idade avançada em uma penitenciária do Estado da Pennsylvania disse à IPS, sob a condição de não ser identificado, que foi castigado com uma semana de isolamento por se negar a passar por um detector de metais sem sua bengala. “Tenho 69 anos. Sem minha bengala não posso ficar de pé. O que esperam que faça, que engatinhe?”, argumentou.

Funcionários de várias instituições de todo o país agora questionam a necessidade de manter esses presos. Burl Cain, guarda na Penitenciária Estadual de Louisiana, conhecida como Angola, contou à Aclu que sentia “vergonha” por essa prisão manter mais presos do que aqueles que libertava. Dos 5.300 detentos nessa prisão, quatro mil cumprem pena perpétua sem liberdade condicional, e 1.200 têm mais de 60 anos.

Porém, a decisão de acelerar a libertação de presos idosos não depende apenas das autoridades da prisão. Segundo Fellner, o sistema penitenciário dos Estados Unidos é regido por uma filosofia fundamentalmente punitiva e sofre a pressão de organizações que representam as famílias das vítimas, o que torna difícil realizar mudanças substanciais.

“O pessoal, os profissionais e os partidos políticos institucionais tornam muito difícil dar passos em nome de alguém que cometeu um crime”, observou Fellner. “É um risco que poucos políticos estão dispostos a correr. Inclusive o presidente Barack Obama só comutou penas de oito cidadãos esse ano. Há 200 mil presos federais, e só conseguiu encontrar oito que mereciam clemência? Apesar de alguns progressos importantes, esse trabalho ainda é marginal”, destacou. Envolverde/IPS

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