sexta-feira, 17 de junho de 2011

Dilma propõe que quem tem mais pague mais

Fabiana Frayssinet, da IPS

O governo de Dilma Rousseff impulsiona a reforma, várias vezes adiada, do sistema de impostos, situado entre os mais onerosos e desiguais do mundo, com custos semelhantes aos do mundo rico, mas com serviços públicos diferentes.

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Dilma anunciou que o projeto de mudança tributária, uma de suas prioridades, será enviado ao parlamento de maneira “fracionada”, dessa forma deixando de lado a ideia de uma reforma ampla, que segundo analistas foi uma das razões do fracasso nas duas tentativas anteriores por parte de Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, a iniciativa enfrenta severas críticas mesmo antes de ser apresentada, inclusive dentro da bancada de deputados oficialistas.

Segundo antecipou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a ideia é começar pela simplificação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), considerado o maior “vilão” do país, e pela redução de impostos sobre os salários. Mantega admitiu que a carga tributária brasileira é alta e que, para competir com países como China e Índia, será necessário resolver este ano estes dois aspectos.

As diferenças entre governo, oposição, sindicatos e empresários a respeito da reforma tributária são grandes, embora todos concordem que o sistema é injusto, complexo e trava o crescimento e a competitividade. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) indica que a carga tributária em 2010 foi equivalente a 35,13% do produto interno bruto, o que representou alta de 0,72% em relação ao ano anterior. Em 2000, representava 30,03% do PIB, destaca o Instituto, que fez o cálculo a partir de arrecadações de taxas do governo federal, Estados e Municípios.

Além do imposto sobre os ganhos, no Brasil são pagos cerca de 70 tributos diretos e indiretos, como os aplicados ao consumo, seja de produtos ou serviços; à propriedade móvel, automóveis, coleta de lixo e iluminação pública. “O Brasil tem a décima-quarta maior carga tributária do mundo”, destacou em entrevista à IPS o presidente do IBPT, João Eloi Olenike

“Contudo, os outros países à nossa frente têm uma excelente qualidade de vida e aplicam esses valores em serviços destinados ao bem-estar da população, o que, infelizmente, não acontece em nosso país”, acrescentou Olenike, após citar exemplos como os Estados Unidos, onde o peso dos impostos é de aproximadamente 29% do PIB. O IBPT defende uma reforma “que transfira a tributação do consumo (regressiva) para a renda e o patrimônio (progressiva), e que também diminua o número excessivo de impostos, para uma simplificação do sistema”.

Um estudo do IBPT mostra que cada um dos 191 milhões de brasileiros pagou em 2010, em média, R$ 6.722,38, quase R$ 1 mil a mais do que no ano anterior. Tomando esse dado, aponta-se que o brasileiro precisa trabalhar, em média, 149 dias apenas para pagar impostos, abaixo da Suécia com 185 dias, mas igual a França e acima dos Estados Unidos, onde os habitantes devem retornar ao fisco o total de dinheiro produzido em 102 dias de trabalho.

Diferenciado por níveis sociais, o IBPT afirma que os setores mais pobres têm de trabalhar 142 dias por ano para completar o pagamento dos tributos, e os mais ricos 152 dias, enquanto a classe média é a mais castigada, com 158 dias de trabalho para pagar os tributos, que levam 43,29% de sua renda bruta. “Nosso sistema tributário é complexo, confuso e injusto com a exigência excessiva de obrigações acessórias e com incidência de vários impostos em efeito cascata”, resumiu Olenike.

A consequência é o aumento dos impostos no consumo, “sendo prejudicial para os cidadãos com menor poder aquisitivo”, ressaltou Olenike. Este tipo de carga tributária, como não é gradual segundo a capacidade do consumidor, “acaba prejudicando os mais pobres, que proporcionalmente terminam pagando mais”, acrescentou o presidente do IBPT. O sistema também faz com que as empresas nacionais e estrangeiras “queiram cada vez menos realizar investimentos produtivos em nosso país, gerando desemprego e paralisia econômica”, afirmou.

A Central Única dos Trabalhadores, porém, critica o fato de a reforma tributária proposta pelo governo atender mais os pontos de uma agenda neoliberal e não os sociais, ou seja, que o pobre sofra com os impostos mais do que os ricos. Segundo estudos da CUT, só metade da arrecadação de impostos no Brasil pesa sobre a renda, os rendimentos financeiros e o patrimônio, como terras ou imóveis. A outra metade incide sobre o consumo, afetando os mais pobres.

Por isso, a Central e alguns deputados do PT defendem a progressão da tabela de imposto sobre ganhos, isto é, quem ganha mais paga mais. Em recente reunião com o ministro da Fazenda, os dirigentes sindicais também pediram a elevação do peso dos impostos diretos sobre a renda e o patrimônio, e a regulação de um imposto sobre as grandes fortunas e heranças. Também consideram necessária a redução de impostos sobre o investimento no setor produtivo e a taxação da especulação financeira.

“Entendemos que esses são os principais pontos que podem contribuir para a distribuição da renda no país. Penalizando menos a classe trabalhadora vamos ampliar a capacidade de consumo do mercado interno e ajudar na geração de emprego e renda”, disse o secretário-geral da CUT, Quintino Severo. “Não se pode apoiar uma estrutura de impostos onde o que ganha menos paga mais, bem como quem quer gerar emprego e renda”.

A Confederação Nacional da Indústria também considera “inadiável” a redução dos impostos sobre os investimentos e as exportações. Em entrevista à IPS, o economista-chefe da CNI, Flávio Castelo Branco, entende que o atual sistema é “antigo” e “desenhado para outro momento da economia, quando não estávamos tão integrados ao mundo” e necessitamos combater a crise fiscal e a alta inflação. Para ele, é inadmissível que os bens de capital, por exemplo, tenham embutido um custo tributário, “quando em outros países, como o Chile, esse custo é zero”.

A “cascata de impostos” impõe outros adicionais, como na energia e telecomunicações, contribuindo para aumentar ainda mais o custo final do produto, destacou Castelo Branco. “Um projeto de investimento no Brasil representa um alto custo tributário que o desvia para outros países”, acrescentou. “As taxações sobre investimento, exportação e a alta complexidade de custos acessórios, aumentam o da empresa, assim como o preço, e se reduz a competitividade. Quem paga é o consumidor final, o que, obviamente, tem um efeito na distribuição da renda”, ressaltou o economista.

A carga fiscal para cada brasileiro fica bem clara nos “dias sem impostos”, quando os centros comerciais oferecem produtos e serviços sem cobrança dos impostos. Nesses dias, por exemplo, a redução do preço da gasolina chega a até 53% e nos restaurantes a média é de 31%. A Confederação Nacional de Jovens Empresários (Conaje) promove eventos para conscientizar a população sobre o que paga de imposto sem saber. Seu presidente, Marduk Duarte, disse à IPS que o sistema tributário vigente no Brasil é “muito retrógrado e denso”.

Dentro do Movimento Brasil Eficiente, que busca juntar 1,4 milhão de assinaturas para levar uma proposta ao Congresso, a Conaje propõe uma reforma que se baseia na redução de impostos, simplificação e transparência, e diminuição do gasto público. Duarte chama a atenção para a guerra fiscal existente entre os Estados brasileiros para atrair investimentos e sobre a necessidade de melhor distribuição da arrecadação de impostos entre Municípios, Estados e União. “Com uma carga menor e mais equilibrada, poderemos diminuir muito a evasão de impostos e a informalidade”, destacou Olenike.

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