terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Desilusão pode derivar em desconfiança

Por Jim Lobe*, da IPS

Washington, Estados Unidos, 17/1/2011 – Enquanto funcionários do governo norte-americano rechaçavam a queixa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que “nada mudara” nas relações entre Washington e América Latina durante o governo de Barack Obama, analistas independentes concordavam com a cabeça. A administração “começou muito bem, mas as coisas terminaram muito mal”, disse Abraham Lowenthal, especialista em temas latino-americanos e presidente do fórum de estudos Diálogo Interamericano, ao participar, há uma semana, de um encontro organizado pela Brookings Institution.
Em temas primordiais, Obama não cumpriu suas promessas feitas na Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, em abril de 2009, de procurar uma “aproximação com base no respeito mútuo” com seus vizinhos do Sul. A administração não avançou para a normalização de relações com Cuba, nem fechou a base militar de Guantânamo. Manejou torpemente o golpe de Estado de 2009 contra o presidente hondurenho Manuel Zelaya, não consultou a região sobre o acordo com a Colômbia para ter acesso às suas bases militares, e rechaçou os esforços do Brasil para aliviar as tensões entre Ocidente e Irã.
Além disso, o governo Obama não conseguiu convencer o Congresso norte-americano a aprovar uma completa reforma migratória e novas leis para dificultar a importação de armas dos Estados Unidos pelos carteis da droga no México. Tudo isto contribuiu para uma crescente desilusão na América Latina, segundo especialistas em Washington. “É mais que uma desilusão”, disse Lowenthal, coeditor do novo livro publicado pela Brookinsg Institution, “Shifting the Balance: Obama and the Americas” (Mudando o Equilíbrio: Obama e as Américas). “Na América Latina há um grande reconhecimento das enormes diferenças (em relação ao governo de George W. Bush, 2001-2009), mas fala-se muito de ‘engano’ com relação a Obama”, acrescentou.
Esta desilusão, ou sensação de ter sido enganado, pode aprofundar-se nos próximos dois anos, alertaram especialistas, que indicaram que a nova maioria do opositor Partido Republicano na Câmara de Representantes seguramente dificultará ainda mais as relações hemisféricas. De fato, a nova presidente do Comitê de Assuntos Exteriores da câmara baixa e líder anticastrista de Miami, Ileana Ros-Lehtinen, disse que frustraria qualquer tentativa de Obama para aliviar o embargo contra Cuba ou para reduzir as tensões com a Venezuela e seus sócios na Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), como Nicarágua e Bolívia.
“Se Obama esperava realizar mudanças drásticas em suas políticas, será ainda mais difícil agora”, disse à IPS Geoffrey Thale, diretor de programas do Escritório de Washington sobre América Latina (Wola). “Enfrenta uma Câmara de Representantes republicana que provavelmente fará soar o tambor cada vez que houver ameaças à segurança dos Estados Unidos por parte de Venezuela, Irã e outros novos membros do “eixo do mal”, acrescentou. “Do Congresso sairá um discurso tipo ‘branco ou negro’, que causa antipatia em quase todos na América Latina”, afirmou.
De fato, um memorando divulgado este mês pelo conservador American Enterprise Institute, escrito pelo principal conselheiro de Bush para a América Latina, Roger Noriega, cobrava do Congresso “que submeta ao regime da Venezuela, dependente do petróleo, sanções paralisantes, caso não mude suas atividades agressivas e ilegais”. O documento, intitulado “Agenda de Ação sobre a América Latina para o Novo Congresso”, acusa o presidente venezuelano, Hugo Chávez, de, entre outras coisas, oferecer ao “Estado terrorista do Irã uma plataforma estratégica a partir da qual operar perto do litoral norte-americano” e defende a adoção de sanções contra a estatal Petróleos de Venezuela se esta não provar “que não faz negócios com o Irã”.
Embora estas idéias sejam rejeitadas pelo Senado, controlado pelo governante Partido Democrata, as audiências no Congresso para promovê-las seguramente gerarão um debate que trará apoio público. Ted Piccone, subdiretor de política externa na Brookings Institution, disse que as probabilidades de Obama dar passos decisivos para aliviar o embargo sobre Cuba – tema principal nas relações hemisféricas – são “levemente melhores que zero”. Cuba “está mudando, e estamos perdendo o barco. Estamos paralisados na mentalidade da Guerra Fria e na política da Flórida”, afirmou. Além disso, o triunfo republicano no Congresso torna virtualmente impossível a adoção de uma reforma migratória nos próximos dois anos.
Entretanto, o governo de Obama insiste em dizer que melhorou as relações com a América Latina, particularmente – segundo o secretário de Estado adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela – em “reverter a perigosa redução da boa vontade em relação aos Estados Unidos que se produziu na década passada. Destacou que dois terços da população na maioria dos países latino-americanos mostram uma atitude favorável em relação a Washington, um “aumento de 10 a 20 pontos sobre os níveis de 2008”, segundo a última pesquisa do Latinobarômetro. Envolverde/IPS

Nenhum comentário:

Postar um comentário