quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

CID GOMES E OS DEPUTADOS BIÔNICOS

Os analistas políticos, quando se manifestaram sobre a reforma no secretariado anunciada pelo governo Cid Gomes, ressaltaram – além do estranhamento com a indicação de Antônio Carlos (PT), candidato derrotado nas urnas para ocupar a função de líder do governo – a habilidade dele na construção de uma engenharia política que aglutinou várias correntes políticas, criando condições de conforto para arrastar seu mandato sem os incômodos da presença de uma oposição política. No tipo de arranjo político criado por Cid fica implícito um princípio: a idéia de que a presença de oposição é boa para a democracia desde que não se tenha um democrata no poder.

O anúncio da reforma no secretariado, longe de seguir o critério da competência técnica, serviu para modelar uma imagem de Cid Gomes como um político talentoso, e um governo discreto que buscou, sem alarde, anular ao máximo as possibilidades do surgimento de forças desagregadoras, pelo menos no início de seu mandato, feito que Dilma, no plano nacional, não vem conseguindo com o PT e o PMDB. Todavia, o que não se diz ou não se percebe é que essa ação de Cid se faz reproduzindo uma ação politiqueira da velha tradição patrimonialista que está impregnada na cultura política dos nossos dirigentes políticos.

O que o suposto talento de Cid promoveu foi a eleição de deputados estaduais biônicos, ou seja, transformou em parlamentares parte daqueles que foram rejeitados nas urnas pelos eleitores. Assim, pela ação de Cid, danosa ao processo de representação política do nosso viciado e desgastado sistema eleitoral, os rejeitados nas urnas passaram a assumir cargo de representação. No mesmo processo, alguns que foram eleitos para representar traíram seus eleitores assumindo cargos no executivo.

Os eleitos para o legislativo estadual, num total desdém ao voto de seus eleitores, que passaram a comandar pastas no executivo, além de cometerem estelionato eleitoral, deixaram subentendido que suas verdadeiras intenções são a de usar o tráfico de influências, os favores políticos e os recursos materiais e simbólicos estatais em função da sua reprodução no poder ou para se manterem em torno dos poderosos. Um bom exemplo, que vale a todos os envolvidos, é o caso do deputado Camilo Santana (PT), que deixou sem representação milhares de trabalhadores rurais que votaram nele em função do seu compromisso com a agricultura familiar e com a reforma agrária. Essas atitudes, tanto de Cid como dos referidos deputados, só comprovam que as eleições não passam de um simulacro.

No Ceará, alguns dos rejeitados pelas urnas e transformados por Cid Gomes em deputados biônicos vão assumir não um mandato democrático, mas um mandato autocrático, porque provém diretamente da vontade, da graça e do favor especial do governador. Neste gesto de apadrinhamento político, o que apraz ao governador tem força de lei maior que as vozes das urnas. Logo, uma reforma política se faz urgente para que práticas conservadoras que tornam o poder público suscetível de corrupção não possam ser compreendidas como talento político necessário a governabilidade.


Uribam Xavier – Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFC. Contatos: uribam@ufc.br

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